A ONU negou hoje estar a desvalorizar alegados atos de violência sexual perpetrada pelo Hamas e outros grupos armados palestinianos no ataque a Israel, apontando que há quase um mês aguarda por autorização de Telavive para investigar as alegações.

Numa conferência de imprensa em Genebra, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, confrontado com as críticas de responsáveis políticos e ativistas israelitas de que a ONU se tem remetido ao silêncio relativamente à alegada utilização de violência sexual pelos grupos extremistas palestinianos, rejeitou tais acusações, enfatizando que o seu gabinete leva “extremamente a sério” as alegações, pois “é dolorosamente claro que estes ataques têm de ser totalmente investigados para garantir justiça às vítimas”.

“Na segunda semana de outubro, logo a seguir aos ataques de 7 de outubro, pedi autorização às autoridades israelitas para enviar uma equipa, a minha equipa, para monitorizar, documentar e investigar os ataques horrendos a israelitas. Já insisti neste pedido, e acredito que será atendido, mas até agora não recebi resposta”, declarou Volker Türk.

O responsável da ONU disse ser “muito claro que as formas atrozes de violência sexual devem ser investigadas”, para que seja feita justiça, mas explicou que tal exige um trabalho complexo de documentação.

“Penso que é absolutamente claro que alegações de violência sexual, onde quer que sejam e por quem quer que sejam [cometidas], são muito graves e têm de ser investigadas e adequadamente documentadas. Como disse, pedi a Israel que autorizasse o envio de uma equipa e espero que tal seja possível, mais cedo ou mais tarde”, afirmou.

“Precisamos de entrar em certos detalhes para determinar se foram atos premeditados, generalizados, sistemáticos. Não estou em posição de confirmar, mas claro que levamos estas alegações extremamente a sério. Posso dizer que vamos encontrar formas de falar com quem seja necessário, para saber o que pode ser feito, porque sem dúvida que tem de ser feita justiça”, complementou.

Na véspera, Joe Biden apelou a uma “forte e inequívoca condenação da violência sexual” alegadamente perpetrada pelos “terroristas do Hamas”, sublinhando que “o mundo não pode desviar o olhar”.

Num ataque sem precedentes, comandos do Hamas invadiram o sul de Israel a 7 de outubro e mataram 1.200 pessoas, segundo as autoridades israelitas, tendo ainda raptado 240 pessoas que levaram para a Faixa de Gaza, 137 das quais continuam a ser mantidas reféns.

A polícia israelita também disse estar a investigar possíveis violências sexuais cometidas no dia 7 de outubro, incluindo violações em grupo e a mutilação de cadáveres, apontando que os investigadores israelitas recolhido até agora “mais de 1.500 testemunhos chocantes e dolorosos”.

O Hamas rejeitou as acusações de violação e violência sexual, descrevendo-as como mentiras.

Em represália pelo ataque de 7 de outubro, o exército israelita lançou bombardeamentos sobre a Faixa de Gaza, interrompidos durante uma semana de tréguas, que mataram quase 15.900 pessoas, segundo o Hamas.

Na conferência de imprensa de hoje, por ocasião do 75.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que se assinala a 10 de dezembro, o alto comissário voltou a deplorar a “situação apocalíptica” que se vive em Gaza e voltou a apelar a “um cessar-fogo imediato”.

“Os civis de Gaza continuam a ser implacavelmente bombardeados por Israel e coletivamente punidos, sofrendo morte, cerco, destruição e privação das necessidades humanas mais essenciais, como alimentos, água, material médico vital e outros bens essenciais, em grande escala. Os palestinianos em Gaza estão a viver num horror total e cada vez mais profundo”, lamentou.

“A comunidade internacional tem de insistir a uma só voz num cessar-fogo imediato, por razões humanitárias e de direitos humanos”, reforçou.

O alto comissário acrescentou que, “à medida que se avolumam as consequências catastróficas para os civis em Gaza”, causam “grande preocupação as declarações desumanas e incitadoras feitas por atuais e antigos altos funcionários israelitas, bem como por figuras do Hamas”.

“A história já nos mostrou onde este tipo de linguagem pode levar. Isto não só é inaceitável, como um tribunal competente pode considerar tais declarações, nas circunstâncias em que foram proferidas, como incitamento a crimes de atrocidade”, disse.

Apontando que, “nestas circunstâncias, existe um risco acrescido de crimes de atrocidade”, Volker Türk disse ser imperioso “tomar medidas urgentes, tanto pelas partes envolvidas como por todos os Estados, em especial os que têm influência, para evitar tais crimes”.