Vivemos tempos bizarros. Talvez seja essa a norma da existência humana e, portanto, o paradoxo é na verdade o seu contrário e oposto. Não obstante isso, a bizarria mantém-se e a polarização política não se traduz em maior teor ideológico no mainstream, muito pelo contrário. A polarização acontece em teor pragmático – ou na sua sugestão, pelo menos.

Nesta subversão da lógica convencional, têm de evoluir também as noções e papéis do privado, do público e do pessoal.

O público terá de servir tanto o privado como o pessoal: quer isto dizer que o Estado, na sua totalidade, deverá ter estes dois grandes braços e mais nenhum. Servir o privado significa tirar-lhe a possibilidade de monopólio inerente ao processo capitalista desregulado, não dar-lhe essa força.

Um Estado forte retira o poder decisório de quem não serve o pessoal e, à bela maneira liberal, esta competição (de poder e influência) fortalece o processo evolutivo e natural do setor privado. Reinventando-se, adapta-se à realidade para sobreviver: talvez assim essa realidade passe por um tratamento condigno de tudo o que é relativo ao pessoal; talvez assim a estratégia mais beneficial passe pelo benefício de terceiros para beneficio próprio. Assim, o Estado (o público) deixará de se servir a si próprio por deixar de haver essa necessidade.

O privado, por sua vez, terá de servir tanto o público como o pessoal: quer isto dizer que o setor privado sobreviverá não enquanto parte paralela da economia, mas enquanto parte maioritariamente complementar. O setor privado serve para elevar o padrão de ambos os setores que deverá servir, mesmo que grande parte do valor acrescentado provenha de serviços que o público não consegue garantir de forma igualmente eficaz e também enquanto mercado laboral próprio.

Quer isto dizer que, em empregos em áreas como a banca, onde o setor público não consegue acompanhar, as remunerações terão de ser, no mínimo, proporcionais ao valor criado pelo trabalhador, no sentido em que empresas com faturações milionárias não deveriam pagar em salário menos do que a mensalidade de um apartamento. Isto não acontecerá pela vontade divina de quem, sendo sovina, paga ordenados do seu próprio bolso, mas através da atratividade de perspetivas de carreira noutros setores. O privado poderá criar valor acrescentado imenso tanto ao público como ao pessoal, mas apenas se a sua base não for mais baixa e o standard se mantiver. Hospitais privados poderão funcionar apenas quando o hospital público responder às necessidades populares, caso contrário, a saúde passa a ser um privilégio ao invés de um direito. O mesmo se passa nas escolas. A opção de escolha tem de o ser na íntegra – tanto uma opção como uma escolha.

O pessoal, naturalmente, servirá os dois para benefício próprio. Se compete ao Estado a subsistência das pessoas, compete às pessoas a subsistência do Estado – a subsistência do privado depende largamente das leis do mercado e das condições criadas pela conjuntura política. É o pessoal o verdadeiro foco da política, o resultado dela e (de) todas as suas projeções.

Assim sendo, esta sugestão de pragmatismo governamental, mesmo polarizado, surge porque os três ramos estão desconectados. O público ensaia a sua subsistência, o privado faz pelo seu crescimento em detrimento de tudo o resto e o pessoal é deixado à sua descrição. A lógica da dependência mútua descarrila.

A falta de qualquer tipo de linha ideológica leva a que o público funcione, efetivamente, em gestão contínua interna: quer isto dizer que a visão é, automaticamente, encurtada, a perspetiva diminuída para o imediato e virada para o seu próprio umbigo. O seu objetivo passa a ser sobreviver mais um dia, um dia de cada vez, não servir o pessoal e, à sua maneira, o privado, fazendo-lhe competição e offset.

O privado, por sua vez, apresenta-se como alternativa aos mínimos olímpicos e, assim, tem em si a possibilidade de lucrar não tendo incentivo competitivo para fazer melhor. Por falta de alternativa, o pessoal é forçado a escolher entre duas opções falíveis onde depositar a sua fé na construção de uma sociedade e uma vida melhor, com uma pista de tartan à frente mas sem pernas para o correr.

É desta proposição que parte o individualismo exacerbado, fruto da gestão contínua que cada um tem, infelizmente, de fazer da sua vida, não porque o indivíduo não quer perspetivar a médio ou longo prazo, mas porque não lho é permitido. E continua o ciclo.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais