Ano novo, vida nova. O ano de 2024 será invariavelmente marcado pelas eleições legislativas de março, que prometem mudar o paradigma político português: se ganha o PS, depois de oito anos no poder, agora é que é; se ganha o PSD, depois de anos de paupérrima oposição, agora é que é.

Estas eleições, vistas de fora, parecem o mesmo de sempre – os dois maiores partidos de Portugal a competir pelo poder – mas, na verdade, não poderiam ser mais diferentes. Estas são as primeiras desde 1985 (e desde o mítico Partido Renovador Democrático de Ramalho Eanes) em que uma terceira força política externa ao eixo central pode comprometer o seu resultado.

O ponto de não retorno é, invariavelmente, o ponto para o qual caminhamos. Muito se fala (e bem) do papel do PS no crescimento do Chega mas, infelizmente, alguma introspeção é necessária quando se contextualiza a oposição (ou a sua tentativa) que o PSD tem feito ao longo destes últimos anos, especialmente desde a liderança de Rui Rio.

Sempre me foi dito que é mais fácil ser oposição do que ter maioria relativa, mas vou mais longe: é mais fácil ser oposição do que ter maioria absoluta. Não é melhor, mas mais fácil é certamente. Uma maioria relativa é repleta de obstáculos à ação e uma maioria absoluta é o cúmulo da expectativa e da responsabilidade, como se de um vínculo absoluto à ação se tratasse.

O que quererá isto dizer?

A arte de governar implica que a política, no seu estado mais puro, carece de um tacto cuidadoso e imaginação fora do comum e do mundano – assim o pede a resolução de problemas num mundo em constante mudança. Fácil é apontar o problema; difícil é resolvê-lo. Mesmo assim, com o seu principal adversário com responsabilidades amplamente acrescidas – e um número alto de fracassos associado –, não só o PSD não conseguiu fazer uma oposição respeitável, como permitiu que esse fardo fosse carregado por outros partidos que partilham o seu eleitorado, entre eles o Chega.

A possibilidade de uma vitória eleitoral é inevitavelmente manchada por uma maioria relativa que os tornará suscetíveis a sofrer o escrutínio e oposição como não foi capaz de fazer; uma derrota eleitoral significa a manutenção do status quo governamental e um enorme atestado de incompetência assinado por todos os portugueses.

Há pouco falei de Rui Rio e do infeliz ciclo que o ex-líder social-democrata iniciou. Pois bem, a verdade é que, mesmo num período de fraqueza do partido, conseguiu obter aproximadamente 28% e 29% dos votos nas eleições de 2019 e 2022, respetivamente. A última sondagem da Aximage não dá sequer 25% das intenções de voto a Luís Montenegro, que, a confirmar-se, seria o pior resultado eleitoral do partido desde as legislativas de 1976, onde o resultado não se justifica pela falta de qualidade de Francisco Sá Carneiro, mas sim por um período histórico particularmente conturbado.

Caminhamos a passos largos em direção ao ponto de não retorno. Se é verdade que as eleições de 1985 são a última instância em que uma terceira força política comprometeu uma maioria do PS ou do PSD, a situação não poderia ser mais diferente. É virtualmente impossível para o PSD passar, como passou de 1985 a 1987, de 29% para 50% do sufrágio. Mesmo se não só por isso, não o permitem o panorama partidário nacional e o panorama político europeu. O seu líder não é consensual para o eleitorado como o era Aníbal Cavaco Silva. Muito tem de mudar e todos os segundos contam.

Agir como se ainda não tivéssemos chegado ao ponto de não retorno é ignorar a ameaça, é um dinossauro a dizer ao outro: “Não te preocupes, eu tenho a certeza absoluta que este meteoro não nos vai matar”.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais