A internet é uma ferramenta muito poderosa – disto todos sabemos –, mas é-o não somente pela sua vertente convencional, de relação consumidor-plataforma, mas também pela relação inversa de plataforma-consumidor: o poder intrínseco da internet não é intrínseco por si, mas principalmente pela capacidade humana de adaptar a plataforma às suas vontades, prioridades e objetivos.

Mais que isso, pelo intemporalmente mediano carácter humano e pelos avanços algorítmicos de hoje, o viés de confirmação mantém-se mais forte que nunca. Dificilmente pesquisarei razões por que estarei errado – eu ou as minhas crenças – e é mais fácil deixar que a informação nos procure do que ir à procura da informação, por mais relevante, recente ou pertinente que esta seja.

Algo se manteve – a natureza humana –, mas algo mudou: a internet em si, a disseminação do uso de redes sociais para obter a informação que viria, em condições ditas normais, dos media tradicionais.

Não sou, no entanto, ingénuo. Sei perfeitamente que os órgãos de comunicação social têm, naturalmente, o seu viés. É mais suspeito para qualquer um deles afirmar que não o tem do que qualquer coisa em contrário. Silenciosamente, todos sabemos que o O Jogo tende para o lado portista e que, assim, é mais provável que um portista o compre do que um benfiquista. De uma forma menos silenciosa, todos sabemos que a Fox News é republicana – no sentido americano – e que, assim, é mais provável que um republicano assista comparativamente com um democrata.

Não será isso também viés de confirmação? Será, claro. Mas, para o bem e para o mal, não é um algoritmo desenhado especificamente para aprofundar vieses e agradar intelectualmente o consumidor. Órgãos de comunicação cujo outlet é desenhado para as massas têm essa vantagem moral e desvantagem estratégica.

Digo isto com um caso específico em mente: o Twitter – agora, por alguma razão, X – desde a sua aquisição por parte de Elon Musk. Juntou-se o inútil ao desagradável, com uma aplicação (agora) ideologicamente vincada e com um algoritmo que alimenta não só o nosso viés, mas o seu próprio também.

Ao afirmar ser neutro (red flag) e pela “liberdade de expressão” (red flag), permitem-se comportamentos na rede social que, idealmente, seriam impensáveis em idade de democracia digital. A neutralidade em demasia (complacência) favorece os moralmente corruptos e incapazes, permitindo-se que Donald Trump partilhe, sem qualquer tipo de travão, propaganda fraudulenta e conteúdo difamatório sobre tudo e todos relacionados com a campanha adversária. A mensagem que passa, de cima para baixo, dissemina e polui tudo no seu caminho, tanto mais numa rede gerida por uma raridade egocêntrica que utiliza o seu monopólio de informação.

Este monopólio de informação importa principalmente quando se trata do suposto defensor da verdade, do marquês da liberdade de expressão que passa mais tempo a interagir com teorias da conspiração e conteúdo de extrema-direita que inflama uma chama por si já perigosa. Trata-se de uma figura com quase 200 milhões de seguidores na rede social que se viu obrigado a comprar por 44 mil milhões de dólares, com um público-alvo – e público que em alvo se torna – cada vez mais radicalizado, também por sua causa. Daí que, na sua própria sondagem relativa às eleições presidenciais americanas, três em cada quatro votos se dirijam a Trump, uma sondagem que não é nem científica nem representativa dos resultados eleitorais, mas sim da fauna que se encontra nesta selva.

Este tipo de questões pode virar eleições, não obstante o apoio popular por trás de Kamala Harris e não obstante a força que a sua campanha aparenta ter, em parte também pelo uso das ferramentas digitais ao seu serviço. Mas a polarização também é isto: de um lado, o establishment; do outro, os atiçadores disfarçados de reis da democracia. O disfarce vai caindo, mas nem por isso eles deixam de sair da toca.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais