O fim do petróleo soa bem e levou a penosa COP29 a refazer, à 25.ª hora, o comunicado final. Ouviu-se o repicar dos sinos — no mundo ocidental. Nos países produtores de petróleo e gás foi, digamos, um pouco diferente, até porque para aquelas bandas tinham feito de tudo para amolecer as conclusões. A tentativa muito trapalhona de minar a reunião verde global através da nomeação de uma toupeira para dirigir a festa — incrivelmente, o CEO de uma petrolífera de Abu Dhabi… — permite-me, então, tirar uma modesta conclusão: esta gente não olha a meios e vai fazer de tudo para travar o processo. E quando digo tudo, é mesmo tudo, já que é uma questão existencial. De certa forma, até compreendo.

Talvez seja eu e esta velha doença de estar sempre a pensar no apocalipse, mas parecem-me reunidos todos os ingredientes para 26 anos de choque e pavor pelo mundo fora. Até 2050, data do fim anunciado de petróleo e gás, vai ser uma bela montanha-russa. Primeiro, o preço do petróleo tenderá a subir e subir. Um recuo ali, muitos avanços acolá, apenas para ir libertando stocks e recolher umas coroas extra, mas não deixará de ter devastadoras consequências económicas e políticas pelo mundo, em especial na Europa e nos EUA. Sim, estou a pensar na inflação, esse assassino silencioso de governos que parece ter voltado à gruta de onde saíra, mas que receio voltará à boca de cena uma e outra vez nos próximos anos.

É imenso o significado político desta permacrise que já vivemos, como de resto observamos – de camarote – pela Europa fora com a aurora dos partidos de direita populista e até mesmo da direita xenófoba e proto-fascista. Claro, uma coisa é a Holanda ceder à tentação radical, outra bem diferente será o regresso do homem-laranja ao leme da América. Se a economia americana não resistir ou ficar coxa nos próximos meses, aos trumpistas hard-core terceiro escalão, um grupo muito numeroso e audível, junta-se nas eleições de dezembro próximo o exército de eventuais deserdados do mercado de trabalho. Trump de regresso ao poder não precisa do meu comentário, embora deva ser escrito que a Ucrânia está na linha da frente das vítimas e com ela a nossa velha Europa.

O encontro, há poucos dias, entre Putin e Mohammad bin Salman, o líder da Arábia Saudita, o tal que mandou cortar aos pedacinhos um jornalista no remanso da embaixada de Istambul, é outro facto muito revelador, talvez até simbólico, que passou depressa demais nas notícias, mas que marca um antes e um depois. Quando dois facínoras se encontram com direito a photo-op para os media globais, é bom que tenhamos noção do calibre das forças em jogo e do que elas estão dispostas a fazer. Sim, a saga política lusitana traz-nos diversão e preocupação em idênticas proporções – o circo Cardinali mudou-se este Natal para Belém -, mas tira espaço demais à reflexão sobre o mundo. Olhamos para tudo de longe, muito longe, como se os grandes problemas e o retrocesso económico e civilizacional fosse um delírio de outra galáxia. Esquecemos que quem vive a crédito, como nós vivemos, morre sempre a prestações.

Os países ricos em petróleo – a Reuters foi ver quantos dos 69 estados tinham assumido datas para deixar de furar a terra. Et voilà, o teste do algodão: apenas três. Dinamarca, França e Espanha. Quer isto dizer que a COP é uma farsa, embora mui necessária para consumo político, e que o desmame será difícil, talvez até impossível, certamente lentíssimo, ao ralenti, e vamos ter mais vezes 30oC em dezembro, como há dias aconteceu em Málaga. O fim do mundo em cuecas é uma expressão com vida própria.

Ninguém cede o seu lugar de riqueza quase infinita sem muita luta e talvez até mais do que isso. O aquecimento global, embora seja um fatal nivelador, porque afetará toda a espécie humana, não será um tiro de uma só bala e um só instante: será progressivo, dia após dia, catástrofe após catástrofe, o que significa que os mais ricos, entre eles os reinos dos petrodoláres, terão mais alternativas para gerir as consequências – a construção de cidades-bolha já está, aliás, em equação. Na Arábia Saudita o projeto, em marcha, chama-se Neom e a urbe The Line. Obviamente posicionada 500 metros acima do nível do mar. Porque será?

P.S. Uma coisa pessoal: Há dias comprei uma passagem de avião para a minha filha na eDreams. Com todos os documentos oficiais assinados e reconhecidos, a jovem não pôde embarcar. Razão: tinha de pedir acompanhamento a bordo, por ser menor. Ninguém me informou de nada, sendo obrigatório dizer a idade do passageiro no ato de compra. Coisa que foi feita. Seja como for, lá se foi a viagem. Fica aqui escrito: a eDreams é péssima e falhou. Evite. A KLM, que ao balcão do check-in me disse que podia apanhar o avião mais tarde, voltou atrás. Evite também. Eu não desisto. Vou para a guerra termonuclear com as empresas que abusam do consumidor.

Consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 16 de dezembro