Joe Lieberman, candidato a vice-presidente de Al Gore, em 2000, e antigo senador pelo Connecticut, entre 1988 e 2012, faleceu esta semana com 82 anos, marcando o fim de uma era na política americana.

Depois de ter passado os últimos anos na esfera privada e a desempenhar um papel na liderança da organização centrista No Labels, de que foi um dos fundadores, Lieberman assegurou o seu lugar na história dos Estados Unidos. Embora não tenha alcançado a vice-presidência ou a presidência, tendo sido candidato brevemente em 2004, conseguiu algo igualmente significativo: deixou a sua marca.

Com uma longa carreira no Senado, foi o primeiro judeu a ser candidato num ticket presidencial, sendo reconhecido como um dos últimos grandes centristas do Partido Democrata. Crítico do então presidente Bill Clinton, devido ao escândalo de Monica Lewinsky, foi a surpreendente escolha de Al Gore para enfrentar George W. Bush, numa das eleições presidenciais mais disputadas da história.

No entanto, em 2000 a sua carreira estava apenas a começar. juntamente com o falecido John McCain e Lindsay Graham, constituiu uma das mais relevantes e invulgares das triplas da primeira década deste século, conhecidos como os Three Amigos. Esta designação foi gentilmente atribuída pelo general David Petraeus, comandante das forças militares no Iraque e, mais tarde, no Afeganistão. As suas constantes visitas aos teatros de guerra tornaram-nos grandes defensores dessas intervenções, mas também críticos contundentes da condução da guerra pela administração de George W. Bush.

Mas por formaram uma aliança dois republicanos e um democrata? Pouco depois de John McCain ter recebido a notícia de que tinha um cancro no cérebro, convidou os dois amigos para visitá-lo, no Arizona, para lhes dar a triste novidade.

Esta amizade representou também uma força motriz dos falcões no Senado, levando-os a viajar juntos pelo mundo. Desde os anos 1980 que Lieberman e McCain desenvolveram uma relação de proximidade, partilhando opiniões convergentes em temas como a guerra da Bósnia ou a intervenção na Jugoslávia. Em 2002, Graham foi eleito senador pela Carolina do Sul e juntou-se ao grupo. É o único sobrevivente, tendo entretanto virado um fervoroso apoiante de Donald Trump e afastando-se da visão política dos outros “dois amigos”.

John McCain quis mesmo nomear Joe Lieberman como seu candidato a vice-presidente nas eleições de 2008. Sabe-se que arrependeu-se da decisão de ter cedido aos seus conselheiros, ao escolher a espalhafatosa Sarah Palin, o que foi fatal para a sua candidatura. Retrospetivamente, talvez com o perfil de Lieberman tivesse tido a possibilidade de desafiar a história, que elegeu Barack Obama como primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Mas, mesmo durante essa campanha, Lierberman destacou-se como um dos mais fervorosos apoiantes de McCain, colocando o país acima do partido e percorrendo os 50 estados a pedir o voto para o seu amigo.

Nos últimos anos, depois de sair do Senado, apesar de sempre se ter considerado um Democrata, tornou-se independente e um dos ativistas da No Labels, organização centrista e bipartidária crítica da incapacidade de Republicanos e Democratas governarem o país em conjunto, devido ao radicalismo das respetivas bases partidárias. Era um entusiasta de uma candidatura alternativa a Joe Biden e Donald Trump.

Com a sua morte, desaparece mais um pouco da memória de como o bipartidarismo funcionava e como políticos radicalmente diferentes conseguiam trabalhar em conjunto. Antes desta era de polarização e radicalização, onde republicanos e democratas apenas podem ser inimigos.

Tive a oportunidade de assistir ao vivo à intervenção de Joe Lieberman na Convenção Republicana de 2008, em Minneapolis, St-Paul. Mais do que um discurso de um apoiante, foi a intervenção de um amigo. Um dos três. 

Especialista em política norte-americana