Os resultados de Portugal no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) caíram alinhados com os países da OCDE. As explicações dos observadores – não especializados – são as de sempre: a culpa é do facilitismo educativo que inspira os governos de esquerda. Não importa que a tendência da década seja a oposta, o que interessa é bolsar uma acusação genérica: eles fazem de tudo para agradar aos meninos! Quando o crime sobe a explicação repete-se, embora uma ou duas oitavas acima, por vezes com histeria e fabricado ranger de dentes: a esquerda é branda com os criminosos.

Neste caso do PISA há outra explicação criativa: são os imigrantes que, por aqui e pela Europa fora, arruinam as médias – e não só. É espantoso como o triplo salto com este mortal encarpado vai dar ao mesmo de sempre: os governos de esquerda escancaram a porta aos imigrantes e o resultado está agora à vista também no PISA. Vergonha, senhores. Os imigrantes: eles são obviamente os grande culpados dos resultados em Matemática. Não escrevo “são os responsáveis” porque essa frase mais moderada, mais equilibrada e mais adequada não tem o grau de catastrofismo infantil que faz levitar a retórica que exalta os cantos mais sombrios da zoologia política.

E depois espantamo-nos com o crescimento insidioso do Chega. Uma parte relevante da agenda mediática serve de pasto a esta manada de bons rapazes. Bad news, good news. A agenda do Chega nasce diretamente inspirada dos títulos dos jornais, nas notícias de televisão e nos sons da rádio. Vive e depende deles, de certa forma é filha ilegítima dos media, acrescentado sob forma de resposta partidária a bílis que captura e alimenta o ciclo político vicioso. O Chega e a sua trupe de iconoclastas não digerem sequer a informação. Pensar não é preciso. É tudo muito rudimentar e artesanal. O traque xenófobo sai à la minute, como se fosse o ovo de Colombo. Não é preciso saber de veterinária para ver que nunca é, não podia ser o ovo de Colombo, é apenas a manifestação de puro ressentimento oportunista. É ovo, sim, mas é da serpente.

Nos últimos dias, o bicho envenenou mais um poço de água potável e arranjou novos acólitos e almas penadas. Sobre a nova identidade gráfica do governo, criticada quase de mão ao peito, o Chega apelou ao esplendor de Portugal entre as brumas da memória. A nova imagem – muito bem conseguida, acrescento eu – atirou finalmente para trás das costas a esfera armilar, os sete castelos, as cinco chagas e as vetustas quinas. O sangue 100% lusitano do Ventura ferveu e emitiu os tradicionais vapores de enxofre, embora, valha a verdade, o dito garanhão seja reativo como o velho cão de Pavlov.

Já aqui o escrevi, o soberanismo é a doutrina da decadência e o nacionalismo a doutrina dos povos cansados (Le Carré dixit). O rentável sentimento antipolítico que cresce como ervas daninhas, somado à nossa ampla complacência com a demagogia servem de capim à inflamável criatura rasteira. Se a infância é a conta bancária dos escritores (Graham Green dixit), os problemas, os casos e agora até o PISA são a razão do cheque em branco que algumas pessoas, talvez muitas, certamente demais, querem pelos vistos passar ao tal Ventura.

O que me espanta é que Luís Montenegro tenha logo corrido para se juntar ao Chega nas críticas ao novo design governamental. Às armas, às armas, sobre a terra e sobre o mar, pensou o candidato a primeiro-ministro, engolindo a bandeira e o mastro em simultâneo, talvez até a base de cimento. Tudo pela pátria, claro. É obra, realmente, e só por isso mereceu 732 mil visualizações o post que escreveu no X, ex-Twitter. Vale a pena repescar o texto: “Com o meu governo deixaremos de usar o novo símbolo. No nosso projeto não fazemos sucumbir as nossas referências históricas e identitárias a uma ideia de sofisticação.”

Estamos safos. Não sucumbem as referências identitárias de Montenegro, enterra-se numa cavadela o bom-senso e a esperança que restam. O PSD diz que não quer coligar-se ao Chega, pelos vistos quer substituir o Chega. Quer? Espero que não. Não pode ser. Montenegro tem de entender rapidamente que o Ventura até pode, por vezes, fazer as perguntas certas, mas dá sempre, sempre as respostas erradas. No caso do (Viriato) Ventura não é apenas problema de design e estética, é mesmo de decoro e ética. Não tem um pingo de humanidade.

Consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 9 de dezembro