Ordem dos Notários (ON), com quase 500 cartórios no país, por onde passam mais 2,5 milhões de pessoas por ano, fazendo fé jurídica em milhares de avultadas transações comerciais, quer que em Portugal volte a existir um Alto Comissariado Contra a Corrupção que reúna, trate e encaminhe para o Ministério Público (MP) toda a informação considerada suspeita da prática de crimes económico-financeiros, absorvendo as competências de todas as demais entidades que já atuam ao nível da prevenção. Porque, disse ao NOVO o bastonário Jorge Batista da Silva, o combate aos crimes de branqueamento de capitais e de corrupção, em Portugal, “não existe”, é “ineficaz”, e as várias comissões, mais de uma dezena, com obrigações na área da prevenção e do encaminhamento desses crimes, “apenas preenchem grelhas de Excel para estudos internacionais, sem nenhum efeito prático, gastando tempo e dinheiro público”.

Preocupada com uma política de combate “descoordenada” e “pulverizada” por várias entidades que “apenas produzem relatórios”, transmitindo uma “falsa perceção” de “missão cumprida”, a ON enviou aos partidos políticos com assento parlamentar várias propostas para da justiça, entre as quais a criação de uma “entidade única que abranja todas os temas e todas as demais comissões de combate aos crimes de branqueamento de capitais e de corrupção, assumindo as competências das entidades  que não podem ser extintas e que desapareçam todas as outras”.

Além das entidades oficiais, como são o Banco de Portugal,  o Tribunal de Contas, o Ministério Público, a Polícia Judiciária (Unidade de Informação Financeira – UIF), com autonomia própria, existem outros organismos financiados pelo Estado, como são, por exemplo, a Comissão de Coordenação de Políticas de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo; o Mecanismo Nacional Anticorrupção;  o Conselho de Prevenção da Corrupção; a Entidade para a Transparência; e a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção – Grupo de trabalho constituído junto do Ministério da Justiça.

Todos estes organismos, segundo Jorge Batista da Silva, movem-se com estratégia e metodologias próprias, meios informáticos próprios, sem saberem o que se passa na casa uns dos outros, servindo apenas para aumentar o número de chefias, de reuniões, de estratégias, de opiniões.

Por outro lado, explicou, existem também os agentes que, pelas funções exercidas, estão obrigados a comunicar as suspeitas das práticas de crimes, como são os advogados, os solicitadores, os notários, os conservadores, os ROC, os contabilistas certificados, entre outros.

Desde logo, observa o bastonário, todas as entidades e agentes referidos estão obrigados a comunicar a suspeitas de crimes a dois organismos: ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do MP, e à UIF, da PJ. “Porquê a dois organismos?” – pergunta Jorge Batista da Silva. “Não faz sentido nenhum”, diz, frisando; “Começa logo aqui a dispersão”.

A ON preferiria, por um lado, que “existisse uma comunicação única à autoridade judiciária”, decidindo esta, depois, sobre o processo investigatório. Por outro lado, sublinha, “são tantos os organismos que na prática ou não fazem nada ou têm uma atividade muito reduzida, limitando-se a realizar as obrigações formais e a fiscalizar os agentes com obrigações de denúncia, verificando se preenchem os formulários para constarem em estudos internacionais”.

Para o bastonário, “o que temos de ter, verdadeiramente, é uma única comissão com poderes transversais e tarefas concretas, desde logo uma informação estatística regular, com matérias que envolvam todas as entidades que tenham a missão de controlo,”

Essa comissão poderia chamar-se de Alto Comissariado Para a Corrupção, semelhante à que foi criada em 1983 e extintas dez anos depois, ou ter outro nome qualquer. O importante, frisou, é que tenha competências transversais e interministeriais que lhe possibilite definir as políticas de combate ao crime económico-financeiro, e a harmonização das metodologias de comunicação à autoridade judiciária, e da formação aos agentes envolvidos, assegurando também e publicitação da informação estatística”.

“Poderia ajudar-se muito mais as entidades investigatórias se tivermos a coragem de acabar de uma vez por todas com esta pulverização de competências que não se entende”, disse, frisando: “Só uma tutela com poderes transversais é que poderá combater a corrupção e o branqueamento de capitais”.

Artigo publicado na edição do NOVO do dia 2 de março que está nas bancas