As eleições de 10 de março mostraram um país em profunda mudança. Uma mudança que ultrapassa, em muito, o tempo presente conjuntural. O país mudou e, desta vez, a demografia eleitoral deu sinais de profunda transformação. Vemos partidos fundadores da democracia, no ano em que esta completa 50 anos, profundamente envelhecidos e distantes dos segmentos mais dinâmicos e empreendedores da sociedade.

A mudança em curso tem tudo para se afirmar como estrutural. Os portugueses deram sinais claros de querer alterar o rumo do país. Um grande número de eleitores não hesitou em depositar a sua confiança num partido novo, portador de um discurso populista, mas prometedor de ruturas. E foi justamente isso que os partidos tradicionais não quiseram ou não puderam perceber. Tudo indica que ficaram reféns de uma imprudente convicção de fidelidade do voto partidário.

O escoamento da frustração, pela ausência de respostas, encontrou eco na mensagem simples de apelo popular desta nova força política. Os partidos de poder aburguesaram-se num velho modo de fazer política. Talvez por tempo demais no poder perderam o contacto com a realidade e o indispensável alinhamento com a vontade popular.

A distribuição dos votos pelo território, nos diferentes círculos, não deixa a menor dúvida quanto à implantação na quadrícula eleitoral de uma nova força política, de âmbito nacional, transgeracional e interclassista. Para o bem e para o mal, o sistema político português sofreu um forte abanão.

O mais preocupante é que, aparentemente, ao que tudo indica, os perdedores pouco ou nada aprenderam com os sinais emanados da vontade popular.

A juventude partidária do (agora) maior partido da oposição, o mesmo partido que recolheu menos de 10% de votos do eleitorado jovem (>35 anos) proclama a “passagem à resistência”. Os partidos mais à esquerda, disfarçando o descalabro eleitoral organizam caricatos ajuntamentos de vontade de luta prometendo, antes de algo que seja acontecer, votar contra tudo e contra todos.

O país guinou, fortemente, à direita empurrando o PSD para o centro. Neste novo enquadramento, o PS dá sinais de pouco incómodo com essa nova geografia eleitoral e procura consolidar a defesa e desenhar o contra-ataque a partir das trincheiras mais à esquerda. A rejeição do centro parece ser a opção estratégica. A narrativa oficial justifica tal intenção com a necessidade de liderar a oposição de forma clara. Como se essa fosse a única, ou sequer a melhor alternativa para o fazer.

Veremos, a médio prazo, qual o custo político deste caminho e qual o impacto que tal terá na configuração política e parlamentar e na estabilidade democrática do país.

As próximas eleições europeias representarão um teste importante à estratégia definida. Até lá, veremos como reagirá o país à maioria relativa de aparência vulnerável que poderá, no entanto, vir a afirmar-se como uma surpresa em termos de estabilidade e de qualidade governativa. Bastará, para tal, listar os erros e omissões do passado recente, fazer diferente, dar as respostas aos problemas e em nenhuma circunstância encarar o exercício do poder como um mero jogo de maior ou menor habilidade.

Professor universitário//a.camposfernandes@outlook.com

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 23 de março