O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, sustentou hoje que a Rússia “dedica uma enorme quantidade de recursos” a criar divisões entre os aliados de Kiev, após comentários de Moscovo sobre “o cansaço” ocidental no apoio à Ucrânia.

“A maior esperança de Putin é precisamente que o Ocidente e o mundo se cansem de apoiar a Ucrânia nesta guerra. A Rússia dedica a isso uma enorme quantidade de recursos”, declarou Kuleba numa conferência de imprensa conjunta com o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell. “Não entremos no seu jogo”, acrescentou.

Borrell e a maioria dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia, incluindo João Gomes Cravinho, em representação de Portugal, deslocaram-se hoje de surpresa a Kiev para um encontro com Kuleba e com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.

O chefe da diplomacia europeia acrescentou que os 27 se comprometeram com mais apoio militar, encetar esforços rumo à responsabilização da Rússia pelo crime de agressão, aprofundar a exequibilidade do plano de paz proposto por Zelensky e avançar gradualmente no processo de adesão da Ucrânia à União Europeia.

Dmytro Kuleba considerou que a visita dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados-membros da União Europeia, que hoje se reuniram excecionalmente em Kiev, “é mais do que um símbolo”.

“Trata-se de um instrumento concreto para refutar essa alegada falta de unidade”, sublinhou.

Horas antes, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, tinha previsto que “o cansaço” do apoio à Ucrânia iria “aumentar em diversos países, nomeadamente nos Estados Unidos”. O futuro da ajuda norte-americana está em suspenso, tendo sido deixada de fora de um acordo de financiamento provisório para evitar a paralisia da administração federal do país.

O chefe da diplomacia ucraniana aproveitou igualmente a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros europeus para pedir aos homólogos para ajudarem a Ucrânia a exportar os seus cereais através do mar Negro “na sua total capacidade”, apesar das ameaças de Moscovo e num contexto de conflito sobre esta questão com os países vizinhos, entre os quais a Polónia.

“Se a União Europeia e a Ucrânia unirem esforços para garantir a segurança desse corredor, poderá funcionar na sua total capacidade”, declarou Kuleba. Segundo o ministro ucraniano, os participantes na reunião de hoje abordaram a questão dos cereais de forma “muito pormenorizada”, saudando o facto de “todos estarem a fazer esforços” nessa área.

“É possível um corredor marítimo pelo qual os cereais ucranianos possam ser exportados para o mundo sem o envolvimento da Rússia”, defendeu Kuleba.

A Ucrânia, grande produtor mundial de bens agrícolas, exportou durante quase um ano milhões de toneladas de cereais através do mar Negro, apesar da guerra, graças a um acordo com Moscovo.

A Rússia, outro dos grandes produtores de cereais e fertilizantes, retirou-se em julho desse acordo, em protesto contra os entraves às suas próprias exportações em consequência das sanções ocidentais. Moscovo ameaçou igualmente navios que percorriam o mar Negro e bombardeou os portos ucranianos.

A questão dos cereais provocou também uma rutura entre a Ucrânia e vários países da Europa de Leste que impuseram restrições à importação de cereais ucranianos para proteger os seus agricultores da queda dos preços. A Polónia, um dos principais apoiantes da Ucrânia, mas cujo ministro dos Negócios Estrangeiros esteve hoje ausente da reunião da União Europeia em Kiev, ameaçou mesmo parar de lhe fornecer armamento devido a este desacordo.