Portugal é uma república há mais de 100 anos. Não por vontade da maioria, não num processo democrático. Em Portugal aceita-se a república com os argumentos que nos ofereceram a seu favor, sem a face oposta da moeda.

Apesar de a monarquia constitucional ser uma forma de chefia de Estado válida e eficaz em grande parte dos países mais ricos da Europa, em Portugal, o regime é visto como obsoleto. Quais são, afinal, as vantagens, por quem defende esta forma de chefia de Estado?

Portugal, 1908: o povo estava descontente com o bipartidarismo, com os gastos da família real e com a humilhação na questão do ultimato inglês. Nos bastidores houve quem soubesse cavalgar este descontentamento: a Carbonária, uma sociedade secreta, com uma agenda própria, à qual interessava lutar activamente pela república em Portugal. O discurso vendido era profundamente nacionalista e houve um aproveitamento político da ameaça externa (Inglaterra) para fins de política interna.

Ainda assim, nas urnas, o Partido Republicano teve um resultado residual nas últimas eleições antes da implantação da república – num executivo que, aliás, nunca chegou a tomar posse.

Os movimentos republicanos tinham mais força em Lisboa e a implantação da república foi uma comemoração solitária da capital. Num Portugal maioritariamente rural, onde a monarquia era extremamente popular, uma das primeiras medidas do novo regime foi restringir direitos de voto, ao contrário da promessa de “votos para todos”. Se todo o país votasse, inclusive o Portugal rural (onde se encontrava a maior parte da população), a revolução de Outubro não era validada em sufrágio.

Em 1913, Afonso Costa disse, no Parlamento, que “indivíduos que nunca saíram da sua terra e não têm ideias claras sobre nada nem ninguém não devem ter direito ao voto”.

Em breve, o caos da I República era o ponto de partida para um regime ditatorial, e não mais haveria discussão livre de ideias sérias sobre a chefia de Estado. É de recordar que também a Salazar era inconveniente a ideia do regresso da monarquia a Portugal.

A Constituição de 1976 não permite que haja um referendo sobre a chefia do Estado. Se os portugueses desejassem, como os brasileiros, em 1993, questionar o regime, não o podiam fazer. Em consciência, podemos afirmar que a república garante a liberdade dos portugueses?

São compreensíveis as questões apontadas a um regime de monarquia constitucional, sendo a ausência de sufrágio o mais forte. Na realidade, nem todos os cargos em república são sujeitos a sufrágio. Trata-se de uma representação da chefia do Estado sem poder executivo e com um vínculo que ultrapassa os partidos políticos. Não podemos ignorar que, quase sempre, a Presidência da República é atribuída pelo sufrágio a um político, e isso é geralmente encarado pelo executivo como uma bomba de oxigénio, caso a Presidência lhe seja favorável, ou um inconveniente a driblar. A premissa de que o chefe de Estado deve ser imparcial nunca será garantida em república. A premissa de separação plena de poderes, desejável em qualquer regime liberal, na prática, também não.

Ser imparcial não é humano. Mais próximo dessa imparcialidade estará quem foi a vida inteira preparado para ela, em prejuízo da liberdade pessoal.

Uma monarquia constitucional permite que se referende a sua continuidade, como aconteceu na Grécia em 1974, com quase 70% dos gregos a votarem pela república.

Deixar nas mãos do povo o poder da escolha sem assumir o que é melhor para ele e não aceitar verdades dogmáticas é sempre o caminho a seguir por um liberal.

Nenhum poder, nem o poder de representação do Estado, pode ter a confiança total de que nunca será questionado, como acontece em Portugal. A república é quase sagrada, sem que, mais de um século depois, se consigam apontar os seus méritos. Certamente, as suas promessas não foram cumpridas: a contenção nos gastos do chefe de Estado e o fim do bipartidarismo.