Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciaram hoje o bloqueio “deliberado” do exército sudanês do acesso humanitário às áreas controladas pelo grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR) no país, devastado pela guerra há quase um ano.

O presidente da ONG, Christos Christou, afirmou numa conferência de imprensa online que, durante o último ano de conflito, que mergulhou o país numa catástrofe humanitária, “foram emitidos muito poucos vistos” para a entrada de pessoal médico no Sudão, o que “dificultou drasticamente a resposta humanitária”.

O Parlamento Europeu lamentou igualmente que as autoridades sudanesas “tenham sistematicamente recusado autorizações para o transporte de pessoal médico e de fornecimentos” para as zonas controladas pelas FAR, principalmente para a região de Darfur, no oeste do Sudão, inacessível à ajuda humanitária, que tem de entrar pelo Chade.

“Esta é uma decisão deliberada para bloquear a assistência humanitária, violando o direito internacional humanitário e as leis da guerra e colocando em risco a vida de milhões de pessoas”, denunciou Christou. O ativista recordou que 25 milhões de sudaneses necessitam de assistência humanitária, um aumento de 40 por cento em relação ao ano passado, enquanto 18 milhões enfrentam níveis agudos de fome.

A organização registou “níveis catastróficos” de desnutrição em algumas zonas do Sudão. A guerra provocou a deslocação interna e externa de mais de 8,4 milhões de pessoas e ONU estima que 13.900 pessoas tenham morrido desde o início da guerra, um número que Christou disse poder estar a ser “subestimado”.

Só no Darfur Ocidental, ilustrou o presidente dos MSF, estima-se que “entre 10 mil e 15 mil pessoas foram deliberadamente mortas em violência étnica” às mãos de tribos árabes.

O único aeroporto operacional em todo o país está localizado em Porto Sudão, no leste, e as rotas terrestres para as áreas controladas pelas FAR em Cartum “não são viáveis”.

De acordo com os MSF, os bombardeamentos, os ataques de drones e o uso de armas pesadas destruíram grande parte das infraestruturas do Sudão, incluindo as instalações de saúde, e estima-se que apenas 20 a 30% dos centros de saúde estejam ainda operacionais.

A organização é um dos poucos grupos de ajuda médica ainda em atividade no Sudão, onde a maioria das ONG e mesmo as agências da ONU suspenderam as operações.

“A crise no Sudão é generalizada e está a aumentar de dia para dia, mas a resposta humanitária é profundamente inadequada. Não há dúvida de que existem enormes desafios no Sudão, mas não são insuperáveis. É possível aumentar a resposta humanitária e nós sabemos isso porque estamos lá”, afirmou Christou.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) das Nações Unidas anunciou no final da semana passada a chegada do seu primeiro carregamento de ajuda, em seis meses, à região sudanesa de Darfur, acusando “os impedimentos burocráticos e as ameaças à segurança”, que “tornaram impossível” a resposta humanitária às necessidades da população sudanesa, de acordo com um comunicado divulgado pela agência da ONU.

A 23 de março, entraram no Darfur Norte, através da cidade fronteiriça chadiana de Tina, 16 camiões com 580 toneladas de produtos alimentares e, alguns dias mais tarde, outros seis camiões com 260 toneladas passaram por Porto Sudão, tendo sido este último o primeiro comboio de ajuda a atravessar a frente de guerra, segundo o PAM.

O Sudão mergulhou no caos em 15 de abril de 2023, quando se transformaram em guerra aberta as tensões há muito latentes entre os militares, liderados pelo general Abdel Fattah al-Burhan, e as FAR, comandadas por Mohamed Hamdan Dagalo, ex-número dois no Conselho Soberano – a junta militar que tomou o poder no país no golpe que depôs o antigo ditador Omal al-Bashir, em abril de 2019. Ambos os lado da guerra são acusados pelas organizações internacionais de crimes contra a humanidade.