Mais de 1,5 milhões de pessoas de três províncias moçambicanas do norte estavam, em junho, em situação de crise ou emergência de insegurança alimentar, indicou hoje o Grupo de Segurança Alimentar, que reconheceu não ter recursos.

De acordo com o relatório do primeiro semestre divulgado por aquele grupo, criado em 2011 e liderado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Programa Alimentar Mundial (PAM), a situação verifica-se nas províncias de Niassa, Nampula e Cabo Delgado, esta última com 879 mil pessoas nesta situação, nomeadamente devido ao conflito terrorista.

“Os parceiros do FSC [na sigla em inglês, Food Security Cluster] apelam aos doadores para apoiarem o Plano de Necessidades e Resposta Humanitária [PNRH] de 2024, que visa 172 milhões de dólares [159,2 milhões de euros] para satisfazer as necessidades de aproximadamente um milhão de pessoas, incluindo as afetadas por conflitos”, de acordo com o relatório do Grupo de Segurança Alimentar, com base na última análise da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar (IPC) no norte de Moçambique.

O documento acrescentou que a “resposta humanitária em Cabo Delgado é gravemente dificultada por recursos inadequados”.

“Até junho de 2024, o PNRH do FSC foi financiado apenas em 34%, um forte contraste com o ano passado. Este défice de financiamento forçou os parceiros do FSC a tomar decisões difíceis, tais como reduzir as rações alimentares para chegar a mais beneficiários ou estender os serviços entre pessoas deslocadas, comunidades anfitriãs e repatriados, comprometendo assim a qualidade da assistência”, indicou.

Reconheceu ainda que “apesar dos desafios intermitentes de acesso devido ao encerramento de estradas e à insegurança”, os parceiros no terreno “estão a dar prioridade à manutenção de uma presença no terreno e à prestação dos serviços e fornecimentos necessários”.

“A situação é grave, com mais de meio milhão de pessoas deslocadas e 623 mil regressadas a casa no norte de Moçambique. A destruição generalizada e os danos causados às infraestruturas, incluindo instalações recentemente reabilitadas, perturbaram os serviços nos distritos afetados por conflitos e reverteram os ganhos de desenvolvimento”, referiu.

“A vulnerabilidade dos deslocados internos e dos repatriados, que continuam a depender da assistência humanitária para sobreviver, é significativa. Os regressos ocorrem frequentemente em áreas remotas onde as redes tradicionais de proteção comunitárias ainda não recuperaram”, reconheceu igualmente o relatório.

Nos últimos meses, “a situação de segurança em Cabo Delgado deteriorou-se acentuadamente”. Entre 26 de dezembro de 2023 e o final de maio de 2024, os ataques perpetrados por grupos armados “deslocaram aproximadamente 189.000 pessoas”, na “maior deslocação desde 2017”, apontou o documento.

“Esta violência espalhou-se por vários distritos, incluindo Ancuabe, Chiúre, Macomia, Mecufi, Metuge, Mocímboa da Praia, Muidumbe e Quissanga, com repercussões nos distritos de Erati e Memba, na província de Nampula. Estes ataques expandiram-se para áreas anteriormente não afetadas, levando a uma distribuição geográfica mais ampla das operações”, admitiu o Grupo de Segurança Alimentar.

Além disso, acrescentou que o ataque no distrito de Macomia, em maio, “resultou na suspensão da assistência a 89 mil pessoas, agravando ainda mais a crise”.

O Grupo de Segurança Alimentar coordena respostas de segurança alimentar durante e após uma crise humanitária, na disponibilidade, no acesso, na utilização e na estabilidade de alimentos, com uma rede de mais de 1.000 parceiros em 29 países.

Cabo Delgado enfrenta desde outubro de 2017 uma rebelião armada com ataques reclamados por movimentos associados ao grupo extremista Estado Islâmico.

O último grande ataque deu-se em 10 e 11 de maio à sede distrital de Macomia, com cerca de uma centena de insurgentes a saquearem a vila, provocando vários mortos e fortes combates com as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.