Milhões e milhões desviados com esse grande propósito de vida, essa missão e sentido da existência humana que é viver no Sheraton?! Isto é que é empreendedorismo! Espírito competitivo e iniciativa proativa!

Pelo menos desde 2015, Manuel Serrão e compadres supostamente rapinaram fundos atribuídos pelo Compete – entidade responsável por garantir a transparência na atribuição destes dinheiros europeus. Aliás, o Ministério Público suspeita do comprometimento do respetivo presidente, Nuno Mangas, no alegado esquema fraudulento que desviou pelo menos 40 milhões de euros. Mais um caso em que o regulador surge colonizado e capturado pelo poder político e financeiro – um outro grave problema luso que vai desde a regulação no sector energético à própria regulação da comunicação social.

Ou seja, isto não é apenas mais uma noite da má-língua. É uma das maiores fraudes de sempre. A economia burlona é um produto no qual Portugal se especializou mal aderiu à União Europeia (então CEE, em 1986). Aliás, se há coisa em que se selou um verdadeiro pacto de regime foi aqui, na fraude dos fundos para as elites, deixando o tuga a remendar os fundilhos. Eis o verdadeiro bloco central de interesses, aglutinando o centrão político, as cúpulas empresariais próximas do poder e, por vezes, até o poder judicial.

Aliás, se no passado vários casos escaparam às malhas da justiça, ainda não se esclareceu como é que esta Operação Maestro é de 2018, reporta-se a factos de 2015, mas as aprovações destes subsídios continuaram de 2019 até à data.

Certo é que alguma coisa tem de justificar Portugal ser o campeão de fraudes com dinheiro europeu, ficando à frente de todos os demais países. Em 2022, por exemplo, foram 2,9 mil milhões de euros em danos estimados, um valor muito acima do dos outros Estados europeus, entre os quais só a Itália se aproxima, com 2 mil milhões. Resultado: Portugal soma quase 25% do dinheiro desviado de todos os países. Mas depois ainda há quem ache que debater o sério problema da corrupção do retângulo é populismo, demagogia feita à maneira que, como cantava a Lena d’Água, é como queijo em ratoeira. Enfim… é que é mesmo assim, até porque hoje demagogo é muitas vezes quem acusa os demais disso mesmo.

Por discutir ficará também sempre o essencial: eventos de moda até podem ser importantes para divulgar o nosso nevrálgico sector têxtil, mas para quê e como queremos mesmo estes fundos e como aplicá-los? Para alavancar em força o baixo nível de qualificação dos portugueses? Para apostar a sério na reindustrialização do país? Qual é o plano? Há sequer um plano? Parece que, em geral, a estratégia se resume a executar os fundos sem cuidar de aproveitar oportunidades para nos desenvolvermos, gastar o mais possível e até à toa, nem que seja a viver num cinco estrelas.

Veremos como andará a justiça, sendo certo que, fazendo o seu caminho como no caso das golas antifumo (outra escandaleira com fundos europeus), o Estado português terá de devolver o dinheiro roubado à Europa. Isto é, o contribuinte português perde duas vezes: fica sem os fundos europeus e tem de repor do seu bolso o que ficou em falta.

Por fim, mais uma vez, a autoridade do Presidente da República fica bem beliscada. Marcelo sugere avaliação intercalar da execução de fundos europeus (outubro de 2021). Marcelo Rebelo de Sousa disse esperar “que haja controlo” da utilização dos dinheiros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), uma vez que “há imensas entidades incumbidas de o fazerem” (junho de 2022). Marcelo avisa ministra da Coesão: “Não lhe perdoo” se falhar a execução dos fundos (novembro de 2022). O Conselho de Estado apelou a um maior empenho de “todos os intervenientes” na execução dos fundos europeus, numa reunião que contou com a presença da comissária Elisa Ferreira. Para os conselheiros do Presidente, esse empenho seria ainda mais importante num contexto que consideraram ser “único e irrepetível” para Portugal (março de 2023). Eis a magistratura de influência de bar de hotel.

Ativista política

Artigo publicado na edição do NOVO de sexta-feira, dia 29 de março