Há duas semanas, escrevia-se sobre a inevitabilidade de um novo mandato de Donald Trump na Casa Branca. Depois de um mês desastroso para os democratas, sentia-se um ar triunfal por parte dos republicanos. O erro da escolha de J.D. Vance para candidato a vice-presidente só se entende neste clima de euforia. Poucas vezes assistimos a uma escolha tão má na era moderna, talvez com a honrosa exceção de Sarah Palin, em 2008. No entanto, a desistência de Joe Biden e a nomeação de Kamala Harris voltaram a equilibrar a corrida. Teve uma entrada surpreendente na campanha.
Kamala mobilizou os democratas e a base de apoio eleitoral, angariou rapidamente muitos milhões de dólares e voltou a usufruir de uma importante arma dos democratas: um cenário mediático amigo. Quem lê por estes dias a imprensa norte-americana não pode deixar de reparar num excesso de triunfalismo em redor de Kamala e numa onda negativa avassaladora contra Trump.
Kamala surge com uma força e energia que nunca demonstrou nestes últimos quatro anos. Esta é a sua grande oportunidade e tem muito a seu favor: uma vasta rede de milionários e estrelas de Hollywood disposta a financiá-la; um partido unido em seu redor; uma aura histórica que lhe poderá permitir ser a primeira mulher e negra na Casa Branca; e o seu adversário é extremamente impopular e foi recentemente condenado judicialmente. Além disso, terá a oportunidade de escolher um candidato a vice-presidente que a ajude a vencer a eleição. Para a semana saberemos, mas apostaria num político moderado como Mark Kelly, senador do Arizona, ou Josh Shapiro, governador da Pensilvânia. As coisas estão a correr-lhe bem.
Depois de um excelente mês, onde até o hediondo ato da tentativa de assassinato de que foi alvo acabou por o ajudar, Trump está a passar um mau período. Passou duas semanas perdido e sem mensagem, terminando com ataques racistas contra Kamala, algo que lhe sairá caro na comunidade afro-americana, onde vinha a ganhar um invulgar apoio para um republicano. Além disso, a sua escolha para vice-presidente está sob ataque cerrado por declarações polémicas sobre mulheres, pessoas sem filhos e aborto. Alguma imprensa até especulou que Trump estaria a pensar substituir Vance e já há quem culpe a dupla Donald Trump Jr. e Tucker Carlson por esta péssima escolha. As coisas estão a correr-lhe mal.
No entanto, convém ter calma. Faltam três meses para a eleição e os candidatos estão basicamente empatados. Os fundamentos da corrida eleitoral não mudaram assim tanto: um país profundamente dividido, onde os indecisos não são assim tantos. A entrada de Kamala reequilibrou a corrida e voltou a dar uma hipótese de vitória aos democratas. As sondagens assim o dizem. Mas os republicanos vão certamente encontrar a sua mensagem e Kamala também terá semanas más. E falta ainda o debate entre candidatos, se vier a realizar-se. A menos que algo inesperado surja – como foi o debate kamikaze de Biden – haverá indecisão até ao fim. O mês de outubro será decisivo, como quase sempre tem sucedido nos Estados Unidos em anos equilibrados.
Especialista em política norte-americana