O jornalista britânico David Patrikarakos tem grande experiência como repórter de guerra e ao longo da sua carreira tem acompanhado os conflitos no Médio Oriente e mais recentemente na Ucrânia. Escreveu um livro sobre o Irão, fez extensas reportagens no Iraque, na Palestina e em Israel. Mas foi em 2014, quando cobria a ofensiva das milícias pró-russas na Ucrânia, que lhe surgiu a ideia de outro livro.

A história conta-se depressa. Enquanto aguardava no hotel em Donetsk o momento de poder vir para a rua, num intervalo dos ataques, foi lendo relatos do que se passava à sua volta, bem perto, mas fora do seu alcance, através do Twitter. Durante esse período na Ucrânia, seguia em simultâneo o surgimento de novos conflitos no Médio Oriente através de notícias online, nomeadamente a ofensiva da organização terrorista ISIS que inesperadamente então assumiu o controlo de Mosul, segunda maior cidade do Iraque, com ampla difusão dos seus feitos no YouTube e no Twitter. Recordo que estamos a falar do acontecimento de 2014 e na altura registavam-se também conflitos violentos entre o Hamas e o exército israelita.

No quarto de hotel na Ucrânia, David Patrikarakos ía seguindo o que se passava através das informações que palestinianos e israelitas publicavam no Twitter, obviamente divergentes. Nesse momento percebeu que, na realidade, existiam duas guerras: a que se travava no terreno entre combatentes dos dois lados e uma outra, que se desenrolava em torno da comunicação com base nas redes sociais e sites. Foi nessa altura que Patrikarakos se lembrou de escrever um livro a que deu o título A guerra em 140 caracteres: como as redes sociais estão a moldar os conflitos no Século XXI. A obra foi editada em 2017 e, nas palavras do autor é um livro “sobre a guerra, as suas histórias, as narrativas do conflito e o conflito das narrativas”.

A verdade é que este livro se tornou particularmente atual depois dos ataques terroristas do Hamas em Israel a 7 de outubro e posterior ofensiva israelita em Gaza. David Patrikarakos seguiu estes acontecimentos de perto, no local, foi entrevistado pela Columbia Journalism Review e, com a devida vénia, reproduzo algumas das suas afirmações.

Sobre o atual conflito sublinha: “Desde que as guerras existem, há quem escreva e documente com imagens o que se passa. Mas este é o conflito mais mediatizado de sempre e também aquele que mais joga com as emoções e sensibilidades de cada um de nós, quer de um dos lados do conflito quer do outro”. E prossegue: “Sabemos que a guerra travada no campo de batalha, entre tanques, armas, bombas e balas vai sempre ser o ponto chave de qualquer conflito. Mas – sublinha – esta guerra é também travada entre tweets e posts e o alcance e impacto que têm”.

Uma das observações curiosas de Patrikarakos é a mudança entre as guerras antigas e as atuais. Dantes, numa guerra entre dois lados, no fim havia um vencido e um vencedor que impunha os termos da rendição e colocava fim à guerra. Mas agora, tudo é diferente: segundo ele, no caso da Ucrânia, o que Putin fez foi mandar tropas invadir a Kiev e depois injetar propaganda no país invadido e desencadear uma campanha de desestabilização e contra-informação com o objetivo de impedir a adesão da Ucrânia à União Europeia e à NATO. A guerra passou a ter um objetivo político e não militar. O que Putin pretendia não era hastear a bandeira da Rússia no parlamento de Kiev, era sim desestabilizar económica e politicamente o país invadido. É por isso, prossegue, que o controlo da narrativa é importante.

Na situação atual de conflito entre Israel e o Hamas acontece algo semelhante. Quando se consegue eliminar todo o ruído, percebemos que o desfecho militar está pré-definido: o Hamas não consegue derrotar o exército israelita e Israel não conseguirá destruir todo o Hamas, aconteça o que acontecer. Sem querer menosprezar o sofrimento dos dois lados, nesta guerra sem sentido militar a única maneira que o Hamas tem de conseguir simpatia e obter uma vitória no campo da comunicação, é mostrar os corpos dos seus mortos . O efeito é paradoxal: quanto mais Israel avança e alcança vitórias militares, mais perde em termos de comunicação e opinião pública. A vantagem de compaixão e compreensão que tinha obtido depois do ataque bárbaro do Hamas a 7 de outubro foi-se esvaindo à medida que foi entrando em Gaza e infringindo derrotas aos terroristas, causando inevitáveis baixas entre os civis usados pelo Hamas como escudo humano.

“Quanto mais o Hamas perde, mais êxito mediático consegue” – afirma David Patrikarakos. Esta guerra, prossegue, é sobre como moldar narrativas e difundi-las. As narrativas não destroem túneis. O resultado é que, independentemente do que se passa no terreno, quem não ganha a guerra da informação e da propaganda geralmente fica a perder em relação ao outro lado.

A produção de informação alterou-se. Hoje em dia qualquer pessoa que se queira arriscar pode tornar-se num correspondente de guerra com um smartphone na mão, onde escreve tweets, faz e publica imagens. A ideia dos grandes correspondentes de guerra, vozes autorizadas e confiáveis, cujos relatos eram seguidos com atenção, desapareceu. Da mesma forma que hoje há centenas de canais de informação, há centenas de pessoas que podem dar cada uma a sua visão dos acontecimentos, não necessariamente reportando de forma verdadeira o que se passa.

A realidade é que os influencers chegaram à guerra e isso não é uma boa notícia.

SF Media

Artigo publicado na edição de 25 de novembro