No arranque da edição do 30.ª aniversário do Paredes de Coura, João Carvalho esteve à conversa com o NOVO, com quem partilhou alguns dos melhores – e dos piores – momentos dos últimos trinta anos e também as expectativas e o que não quer mesmo perder este ano
No arranque da edição do 30.ª aniversário do Paredes de Coura, João Carvalho, diretor do festival, esteve à conversa com o NOVO, com quem partilhou alguns dos melhores – e dos piores – momentos dos últimos trinta anos e também as expectativas e o que não quer mesmo perder este ano
O festival arranca hoje, com as atuações de Evols, às 17h00 no palco Yorn, e de Dry Cleaning, no palco Vodafone às 18h45, e prolonga-se até à madrugada de domingo.
São 30 anos de Paredes de Coura. Alguma vez pensaste que este festival tivesse tanto sucesso?
Não. No início, nem pensei, sequer, que fosse um festival. No início era uma brincadeira de miúdos, como diz o livro da Patti Smith, que já aqui esteve… “Just Kids”. Depois, sim, a partir de 1997 começámos a pensar que o festival podia crescer, mas jamais, em circunstância alguma, a pensar que faria disto vida. Não só eu, como os meus sócios. Nenhum trabalhava em música… A exceção era eu, porque fazia rádio, mas a verdade é que hoje temos uma empresa sólida, que faz o Paredes de Coura e o Primavera Sound, e vivemos disso. Isto é quase uma história encantada. Uns miúdos do interior de Portugal, em Paredes de Coura, numa terra bonita, de gente humilde, mas que tinha os problemas de emprego, de interioridade que têm outras terras do país… Fazer aqui um grande festival, desta dimensão, reconhecido a nível internacional, é realmente um feito. Mas, respondendo diretamente à tua pergunta, nunca pensei que chegava tão longe… Começámos a sentir a partir de 1997 e depois em 1999 tivemos quase a certeza de que iria continuar durante muito tempo.
Vocês são quatro sócios que começaram o Paredes de Coura. O que vos levou a criar um festival de música alternativa em Paredes de Coura?
Olha, na altura foi o não ter nada que fazer… Estávamos na conversa, todos, a ver um espetáculo de fados exatamente onde hoje se faz o palco de jazz e nasceu a ideia de fazer uma noite com bandas de garagem. E lá fomos, no espaço de nove dias, montar aquele que é exageradamente chamado o primeiro festival, porque na altura era apenas uma noite de música, mas que se chamava Festival de Música Moderna Portuguesa de Paredes de Coura… Dizer o nome demorava quase tanto como a atuação de uma banda… E foi o princípio de estarmos juntos… Sinto-me confortável para falar disso, porque fui eu que fui falar com o presidente da câmara nessa altura e era eu que tinha aquela coisa de ter saudades dos meus amigos. Éramos um grupo coeso – éramos e somos, felizmente, eu, o Jó, o Filipe, o Vítor e outros que estavam a estudar fora – e era um bocado a desculpa perfeita para tê-los cá mais fins-de-semana, passarmos mais fins-de-semana aqui, porque depois começavam a ficar os fins-de-semana em Coimbra ou em Évora, enfim, onde estudavam na universidade, e eu era o único que estava cá e sentia a falta deles. Foi um bocado por isso, para ter os meus amigos perto de mim que nasceu o festival. Depois, obviamente, profissionalizou-se. Isto teve várias etapas. A primeira, nem nome tínhamos. Depois passou para ICC, que quer dizer “Importante Como o C******”… Para tu veres, nem levávamos isso a sério. Foi com base numa anedota parva, fruto da adolescência… E depois, um dia, tivemos uma reunião na câmara e o presidente perguntou-nos o que queria dizer ICC e nós dissemos “Incentivo à Cultura Courense”. Nasceu ali um nome na hora, não foi nada planeado. E depois, posteriormente, aparece a Ritmos, quando o festival ganha dimensão, quando se profissionaliza. Ficámos os quatro. Entretanto, o Vítor teve de sair, entre aspas, a terra precisava dele. Foi para presidente da câmara e ficámos os três. Ainda hoje temos uma relação saudável e de amizade…
Qual a tua memória, ou memórias, favorita do festival? Um momento que te tenha deixado a pensar “Epá, foi mesmo para isto que fizemos este festival”?
São tantas, tantas… São 30 anos de histórias. Olha, em 1997, quando vemos a primeira banda internacional… foi emotivo. Mas, provavelmente, mais emotivo e mais marcante foi em 1999, porque, numa altura em que não havia transportes organizados como hoje há, apareceram dezenas de autocarros, cheios de gente, sem bilhete, nós sem condições para eles acamparem… Foi aí que tivemos a convicção de que tínhamos posto Paredes de Coura no mapa. Uma coisa é agora, as coisas organizadas; outra coisa era antigamente, não é? As pessoas juntaram-se, alugaram autocarros e apareceram aí, de uma forma até perturbadora, porque de repente vimos que não tínhamos lugar para toda a gente e andámos em cima da hora a arranjar novos campos para dar condições às pessoas. Esse é o momento marcante que eu recordo com muito carinho, porque foi aí que eu senti “Uau, estamos realmente a fazer uma coisa grande”…
E do outro lado da moeda? Quais os momentos mais difíceis que atravessaram? Alguma vez pensaram em desistir?
É conhecida a história. Pensámos duas ou três vezes… Uma delas em 2004, porque tínhamos acumulado prejuízos de 2000 e 2003, se não me falha a memória… 2004, então, foi uma coisa tenebrosa, porque choveu torrencialmente durante quatro dias de festival. A chover como eu não me lembro de chover, sequer, no inverno. Intempérie total e absoluta. Como dizia o Vítor Paulo, noutro dia, num podcast, as pessoas estavam baradas com tanta chuva. Foi mesmo medonho. Aí, sim… Era toda a gente a insistir connosco para cancelarmos o festival, desde a empresa de som à segurança, a empresa de palco, a Proteção Civil… E nós achámos que não e acho que isso foi muito importante para o festival ser o que é hoje, porque, debaixo de uma intempérie, com um prejuízo brutal acumulado, decidimos fazer o festiva, sabendo que fazê-lo aumentaria ainda mais o prejuízo, mas achámos que as três mil pessoas – ou quatro mil ou cinco mil, não sei quantas eram – que permaneceram debaixo daquela intempérie mereciam que o festival fosse feito. Estamos a falar de enxurradas que levaram tendas para o rio. Estamos a falar de pedras de granizo que caíram e danificaram carros. E acabou essa edição, estávamos falidos e resolvemos fazer aquela célebre edição de 2005… A bem da verdade, mudámos algumas peças na estrutura organizativa, fizemos uma parceria com a Tournée, do Ricardo Casimiro, e fizemos aquela super edição, com Queens of the Stone Age, The National, Foo Fighters, Pixies, enfim, tantas bandas…
Por falar em dificuldades, os anos do covid foram complicados…
Os anos do covid foram muito complicados. Ainda hoje se sentem. Porque, de repente, tens uma estrutura enorme que pára, literalmente, e que tem as suas contas, os seus funcionários, tem terrenos, tem muitas obrigações e pouco apoio do governo. Não despedimos ninguém, contrariamente a outros setores… E aproveito para dizer que este é um setor que contribui muito para o PIB. Nós criamos riqueza. Enchemos hotéis, enchemos restaurantes… Criamos dinâmica no Porto, na cidade do Porto, em Paredes de Coura e nos concelhos limítrofes. Achei que devíamos ter sido mais apoiados, mas a verdade é que não fomos. Aguentámo-nos e a pandemia trouxe o que o público de Coura de melhor tem… Mesmo sem festival, as pessoas vieram na mesma. Muitas pessoas vieram, sabendo que não havia nada, o que nos obrigou até, em cima da hora, a improvisar e a fazer algo para que recordassem Paredes de Coura. Na altura, o Nuno Lopes estava a passar férias em minha casa e pôs música… E, no ano a seguir, vieram outra vez. As pessoas vieram pelo simples facto de mostrar solidariedade, de fazer uma refeição no restaurante da vila de Paredes de Coura e de se reencontrarem, porque Paredes de Coura é isso mesmo, é um lugar de encontros.
Como é que superaram estes dois anos sem festival?
Olha, com apoios bancários. Indo à banca e sendo criativos, no sentido de fazer alguns eventos, como o Courage… Suportando nós algumas despesas – nós, com o nosso dinheiro privado –, porque a empresa tinha de continuar e continua, está aqui saudável, felizmente.
Ainda assim conseguiram fazer o Courage – o primeiro aqui, o segundo em Guimarães. Foi importante…
Foi muito importante para mostrar a nossa força. A Ritmos e o Paredes de Coura têm uma história de resistência. Foi corajoso, na altura, fazer um evento, com todas aquelas restrições e com a dimensão que fizemos. Foi corajoso e repetimo-lo depois, em Guimarães, também com casa esgotada. Nasce um novo evento, um evento que transporta o nome de Coura e que, ao mesmo tempo, simboliza a coragem.
Expectativas para a edição deste ano?
As expectativas são as de que as pessoas se divirtam, que comemoremos 30 anos de história e que as pessoas sejam felizes. Essa é sempre a nossa principal preocupação. Obviamente, primeiro, pagar o evento e depois que as pessoas se divirtam. Parece-me que isso vai acontecer, as vendas estão de acordo com as expectativas… Estamos felizes.
O que queres muito ver?
Ui, meu Deus… É, provavelmente, o ano em que quero ver mais coisas. Olha, Wilco, porque é das bandas que eu mais gosto. Quero muito ver Lee Fields… Já agora, quero aproveitar para pedir que falem de Lee Fields, é provavelmente dos maiores artistas do género, na escola do Charles Bradley. É um artista maravilhoso, que ando a tentar trazer há muitos anos e este ano consegui. O cartaz está tão interessante que ele vai abrir o palco [Vodafone] às 18h00… Um artista desta dimensão, mas é um dia em que temos também Sleaford Mods, que também quero ver, Explosions in the Sky, a Lorde… Foi a hora possível. Paredes de Coura tem bons concertos, independentemente da hora, e este ano tenho a sorte de ter um cartaz muito coerente, com grandes nomes a abrir, como é o caso dos Dry Cleaning, a abrir no primeiro dia… Mas o que eu quero muito ver é Domi & JD Beck, não quero perder de todo; Wilco; Lee Fields; Avalon Emerson [& The Charm]; Tim Bernardes, porque gosto muito dele; Brian Johnson; Bicep, porque adoro; Yo La Tengo; Sudan Archives; Desire; e A Garota Não. São estes que não vou perder, com toda a certeza!