Javier Milei completa hoje o primeiro mês como presidente da Argentina, marcado por uma avalanche legislativa com que impôs reformas estruturais e que, na ausência de uma maioria absoluta no parlamento, o leva a procurar a concessão de poderes especiais.
“A grande incógnita do começo do governo Milei era como faria para governar com uma hiperminoria governativa no parlamento”, explicou à Lusa o cientista político Lucas Romero, diretor da Synopsis Consultores. “Milei tinha duas opções: conformar uma ampla coligação ou negociar com cada ator para chegar a maiorias e consensos. Resolveu o dilema da forma menos esperada, subvertendo o princípio de maioria parlamentar através de instrumentos nos quais ele decide sozinho.”
O presidente argentino tem menos de 15% dos deputados e menos de 10% dos senadores. Aproveitou a fragmentação da representatividade parlamentar também na oposição, uma situação de emergência económica terminal e o capital político inicial do governo para fazer uma revolução liberal imediata, tomando todas as medidas de uma vez só.
Nas duas primeiras semanas apresentou três pacotes de medidas. As primeiras dez estavam dentro do que o executivo pode fazer.
O segundo pacote foi um megadecreto, colocado em causa por juristas e legisladores, com 366 medidas que vão desde reforma laboral e previdenciária até mudanças no sistema de saúde e privatizações, passando por questões em que poucos conseguem ver a emergência, como a obrigatoriedade de os juízes usarem toga.
Logo depois veio um terceiro megapacote, enviado ao Congresso, com 664 artigos que criam uma nova matriz económica, partindo de reformas eleitoral e tributária a alterações nos códigos civil e penal, passando por questões menores como preços livres para os livros ou a legalização da revenda de bilhetes para eventos desportivos.
“Milei deveria ter-se concentrado naquilo que é urgente e importante, mas apresentou um programa de desregulação da economia bastante extenso, com decisões polémicas e sem consenso. Seguramente, não vai conseguir subverter o princípio de maioria em todas as medidas”, prevê Lucas Romero.
O título do pacote revela a intencionalidade de uma refundação: “Lei de bases e de pontos de partida para a liberdade dos argentinos”, cuja introdução diz que “o objetivo é promover a iniciativa privada através de um regime jurídico que garanta a liberdade e que limite a intervenção do Estado”. Para essa refundação, o pacote inclui um pedido de superpoderes legislativos que permitiriam ao presidente decidir sobre todas as matérias sem passar pelo Congresso. Javier Milei teria “carta-branca” para governar de forma absoluta através de decretos e tornar o parlamento um mero observador da sua revolução liberal.
“Milei determinou que precisa dessas ferramentas para governar rápido e quer que o parlamento lhas dê sem discussão. Claro que vai encontrar resistência dos legisladores a delegarem essas faculdades. Isso começa a pôr em dúvida a capacidade de Milei tomar decisões. E o presidente precisa de convencer o mercado de que tem condições para tomar decisões e de convencer a população de que está no rumo correto”, aponta Romero.
Por enquanto, uma providência cautelar suspendeu a aplicação da reforma laboral do decreto que entrou já em vigor e há mais de 40 pedidos contra o decreto por inconstitucionalidade. A discussão vai parar no Congresso ou no Supremo Tribunal.
Nesta terça-feira, o parlamento argentino começou a tratar do segundo pacote com 664 artigos que pretende desregular a economia. Nessas mais de mil medidas estão todo o ajuste fiscal do presidente Javier Milei, que pretende défice fiscal zero até ao final do ano como forma de evitar uma hiperinflação. O discurso de uma emergência económica que ameaça o país e o seu capital político inicial têm sido a estratégia de Javier Milei para pressionar para a aprovação.
“Se Milei continuar a mostrar um alto nível de dogmatismo terá muitos conflitos e não vai conseguir aprovar as desregulações que pretende. O êxito vai passar por conciliar as suas preferências com alguma dose de pragmatismo e por traçar prioridades. Se insistir no tudo ou nada, terá problemas”, indica à Lusa o analista argentino Federico Merke, professor de Ciências Políticas e de Relações Internacionais da Universidade argentina de San Andrés.
A Confederação Geral do Trabalho convocou uma greve geral para 24 de janeiro. Com isso, Javier Milei tornar-se-á o presidente que mais depressa terá de enfrentar a primeira greve geral, com apenas 44 dias de mandato.
Javier Milei foi eleito com 55,7% dos votos. Quem votou nele vê em Milei a única chance de mudança.
A consultora Trespuntozero, uma das poucas que acertaram no resultado eleitoral, mediu a popularidade de Milei e concluiu que o presidente conserva a sua base de apoio. Uma maioria de 53,1% vê as primeiras semanas do mandato como positivas, contra 41,5%. Na sua quase totalidade, os que aprovam são os que votaram em Milei e os que reprovam são os que não votaram nele.
No entanto, o apoio cai na hora de avaliar o método de Milei de governar através de decretos. Quase metade, 49,5%, estão de acordo com o decreto, enquanto 46,9% reprovam. E o motivo para a reprovação é uma suposta inconstitucionalidade das medidas.