Irão. Novo Presidente prepara sucessão do Líder Supremo

No Irão, o poder político funciona em paralelo com o poder religioso mas, desta vez, o regime decidiu que não arriscava: eleição presidencial rigorosamente vigiada, para enfrentar pressão das sanções.

O clérigo conservador Ebrahim Raisi, de 60 anos, venceu as eleições presidenciais no Irão e poderá tornar-se o sucessor do Líder Supremo, Ali Khamenei, que tem saúde frágil e idade avançada. Raisi representa a linha dura do regime e venceu com 62% dos votos, substituindo o Presidente cessante, Hasan Rouhani, um moderado que a ala religiosa tenta culpar pela crise que o país atravessa. As eleições de sexta-feira tiveram uma abstenção invulgarmente elevada, reflectindo descontentamento dos eleitores e a falta de competitividade da votação.

Os candidatos foram rigorosamente escolhidos pelo Conselho dos Guardiães (o órgão de 12 membros que aconselha o Líder Supremo). Esta entidade vetou todos os políticos populares que se apresentaram, fossem reformistas ou conservadores. A excepção foi Raisi, cujo lote de opositores era fraquíssimo, incluindo um tecnocrata e um general desacreditado.

O novo Presidente, que toma posse em Agosto, é uma das figuras mais relevantes do país, mas está ligado a um dos períodos negros da repressão: em 1988, quando tinha 28 anos, Ebrahim Raisi participou numa das piores atrocidades da república islâmica, o massacre de 3 mil prisioneiros ligados à resistência Mujahedin (movimento considerado terrorista que combatia o poder em Teerão). Na altura, Raisi era procurador adjunto e foi nomeado pelo Líder Supremo, o aiatola Khomeini, para integrar o organismo que se encarregou do problema. O Presidente eleito nega ter tido papel nos homicídios brutais.

Raisi é membro do órgão máximo da parte religiosa do regime (Assembleia de Peritos) e tudo indica que a sua eleição visa preparar a sucessão iminente de Khamenei. A sua primeira tarefa será resolver o problema das negociações sobre o acordo nuclear, que decorrem em Viena, muito contestadas por Israel. Aliás, o novo primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, falando em inglês, fez um primeiro comentário sobre as presidenciais iranianas, sublinhando a dureza do vencedor: “Entre todas as pessoas que [o Líder Supremo, aiatola Ali] Khamenei podia ter escolhido, foi buscar o carrasco de Teerão, tristemente conhecido entre os iranianos e em todo o mundo por ter liderado os comités da morte responsáveis pela execução de milhares de inocentes.” Seguiu-se o aviso sobre as negociações nucleares: “Esta é a derradeira oportunidade para os poderes mundiais acordarem antes de voltarem para o acordo nuclear e para compreenderem com quem estão a negociar.”

Denominado Plano de Acção Conjunto, assinado em 2015 por União Europeia, Estados Unidos da América, França, Alemanha, Rússia, China e Irão, este era, no fundo, um acordo de princípio sobre o calendário de redução das capacidades nucleares do Irão. Em 2018, Donald Trump saiu deste entendimento e impôs novas sanções. O Presidente pretendia renegociar tudo, mas perdeu as eleições para Biden, que defendia o regresso ao acordo. Entretanto, o Irão deixou de seguir os termos do calendário e foi vítima de sabotagem de instalações vitais e mesmo de um atentado fatal contra o principal cientista nuclear, ataques cuja responsabilidade já foi praticamente assumida pelos israelitas.

As negociações do acordo nuclear recomeçaram em Abril, envolvendo diplomatas dos países que assinaram o Plano de Acção Conjunto. Foram interrompidas no domingo para permitir às delegações a consulta com os respectivos governos, mas os negociadores dizem que estão perto de um resultado.

O novo Presidente iraniano quer o levantamento das sanções económicas e recusa abdicar do programa de mísseis balísticos. Raisi está pessoalmente abrangido pelas sanções norte-americanas. A sua vitória reforça o controlo do ramo religioso sobre a ala secular, o que pode conduzir a novas vagas de repressão. A economia está de rastos e o fim das sanções permitiria exportar 4 milhões de barris de petróleo por dia.

Artigo publicado na edição impressa do NOVO nas bancas a 25 de Junho de 2021.