Irão. Fraqueza americana pode ser oportunidade para proliferação nuclear

Israelitas dizem que o Irão terá em breve capacidade para fabricar bombas atómicas, Joe Biden diz que isso não irá acontecer, mas o novo poder conservador em Teerão continua a acumular combustível nuclear.

Uma América enfraquecida pela queda de Cabul pode em breve enfrentar um novo desafio na região, caso se confirmem as previsões israelitas de que o Irão estará em condições de construir uma bomba atómica no prazo de apenas dois meses. A ambição nuclear é defendida pela linha dura do regime iraniano, que ganhou fôlego após a eleição, em Junho, de um novo presidente da ala conservadora, Ibrahim Raisi.

O Líder Supremo do Irão, Ayatollah Ali Khamenei, acusou a América de não ter mudado de política e criticou as ameaças ao Irão feitas na Casa Branca, num encontro entre o presidente Joe Biden e o primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett. No primeiro encontro entre os dois, Bennett tentou convencer os americanos de que é necessário um plano para travar a ameaça iraniana, mas a resposta não foi clara. Depois da humilhação no Afeganistão, Washington não precisa de um novo conflito, porventura ainda mais perigoso.

O presidente americano garantiu que o “Irão jamais conseguirá desenvolver uma arma nuclear”. Também disse que, embora os Estados Unidos privilegiem a diplomacia, se esta falhar haverá “outras opções”. O Líder Supremo iraniano respondeu no sábado que o seu país não tem intenção de fabricar armas nucleares e que, no essencial, o Irão enfrenta as “mesmas exigências” que existiam no tempo de Donald Trump. Esta retórica sugere que americanos e iranianos estarão ainda a negociar.

No que respeita a Israel, nada mudou com a substituição de Benjamin Netanyahu por Naftali Bennett. O novo líder da oposição e o agora chefe de Governo opõem-se ao acordo nuclear assinado com a comunidade internacional em 2015. Os israelitas dizem ter informações de que o programa nuclear iraniano nunca parou, isto apesar dos contratempos sofridos: tem havido sabotagens em infra-estruturas e, em Novembro do ano passado, foi morto o cientista responsável pelo programa nuclear.

Este cientista, Mohsen Fakhizadeh, foi alvo de uma emboscada ultrassofisticada, onde se usou uma arma controlada via satélite, algo que na região só estaria ao alcance dos israelitas. Segundo reconheceram os iranianos, o atentado recorreu a inteligência artificial (foram disparados 13 tiros e a mulher do cientista, que viajava a seu lado no automóvel, não foi atingida.

Proliferação

O acordo nuclear chama-se Plano de Acção Conjunto (na sigla inglesa é JCPOA) e foi assinado em 2015 por Irão, EUA, UE, França, Alemanha, Rússia e China. No essencial, é um calendário para reduzir progressivamente as capacidades nucleares do Irão, em troca do fim das sanções económicas.

Em 2018, Donald Trump saiu do acordo e agravou as sanções, com efeitos dramáticos na economia iraniana. O objectivo era pressionar os iranianos a aceitar um novo entendimento verificável. A partir daí, o Irão abandonou o calendário, embora os israelitas digam que o programa nunca saiu da forma clandestina.

Joe Biden quer regressar aos termos do acordo de 2015 e, nas negociações de Viena entre iranianos e americanos, entretanto suspensas, Washington oferece o fim das sanções e a perspectiva de recuperação económica. Em 2015, Teerão aceitou o acordo de limitação nuclear, insistindo que o seu programa era civil, mas o enriquecimento de urânio avançou. Em 2006, o Irão anunciou que já dominava a tecnologia de enriquecimento de urânio, na altura apenas a 3,5%: em 2012, um relatório da agência internacional de energia atómica afirmava que o Irão tinha 190 quilos de urânio enriquecido a 20%. Estas percentagens dizem respeito à proporção do isótopo de urânio 235, material cuja fissão permite explosões do tipo de Hiroxima.

Em Junho passado, o Irão reconheceu que tem 6,5 quilos de urânio enriquecido a 60%. Segundo uma análise publicada pelo Instituto para a Ciência e Segurança Internacional (um think tank americano), isto era uma má notícia para o eventual retorno do Irão ao Plano de Acção Conjunto, pois o súbito aumento da pureza do urânio era “uma experiência que não podia ser destruída”. Os peritos também diziam que o nível de 60% permite armas nucleares (apesar de ser preferível um grau de pureza de 90% de urânio 235). Se quadruplicasse as instalações onde tinha sido refinado este material, o Irão podia ter uma bomba em quatro meses.

Conservadores vencem

A oportunidade diplomática pode ter passado. Em Junho, os americanos tentaram concluir as negociações com o governo iraniano moderado, mas entretanto tomou posse o novo presidente, Ibrahim Raisi, de 60 anos, clérigo ligado à justiça islâmica e com uma história de mão pesada. Na fase de escolha dos candidatos foram vetados todos os elementos da ala moderada. O Líder Supremo queria Raisi no assento político do regime, que tem o pilar teocrático e outro secular.

As conversas de Viena ainda não recomeçaram e, no terreno, os inspectores internacionais deixaram de poder visitar certas instalações. As centrifugadoras em que é feita a separação dos isótopos estão a funcionar a alto ritmo e são cada vez mais avançadas. O combustível nuclear acumula-se, embora com justificações pouco convincentes do lado iraniano.

A grande incógnita é saber se Raisi pretende negociar com os americanos ou se, pelo contrário, aproveita a derrota no Afeganistão e, sabendo que não sofre retaliações, avança para a fabricação de armas nucleares. O Irão também dispõe de tecnologia de mísseis balísticos com alcance entre 2 e 3 mil quilómetros (seria teoricamente possível atingir Viena).

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A perigosa corrida aos armamentos na península da Coreia

A Agência Internacional de Energia Atómica detectou sinais de que a Coreia do Norte reactivou o seu reactor atómico de Yongbyon entre Março e Julho, num sinal de que estará a expandir o seu programa de desenvolvimento de armas nucleares. Os inspectores da agência da ONU não visitam as instalações norte-coreanas desde 2009 e a actividade foi detectada de forma indirecta, com imagens de satélite. A diplomacia americana já considerou “muito preocupante” esta informação.

O reactor de Yongbyon é considerado crucial para o programa nuclear norte-coreano, pois permite produzir plutónio. Este combustível nuclear pode ser usado em bombas e calcula-se que a Coreia do Norte tenha capacidade para fabricar seis ou sete armas por ano, tendo já acumulado 30 a 40 ogivas. Entre 2006 e 2017, o país fez seis ensaios nucleares subterrâneos, cada um mais sofisticado que o anterior, tendo esta evolução culminado com uma explosão termonuclear que, na estimativa mais baixa, teve uma força explosiva três vezes superior à bomba de Hiroxima.

Os motivos da aceleração do programa nuclear não são conhecidos. O regime comunista liderado por Kim Jong-un poderá estar a preparar-se para uma ronda de negociações com os Estados Unidos, mas também pode estar a reagir a uma corrida aos armamentos em curso na península coreana. A Coreia do Sul (que não tem capacidade nuclear) tem anunciado recentemente grandes aquisições de equipamento militar. Seul desenvolveu um caça de nova geração, comprou helicópteros de combate, tem um novo míssil de curto alcance e está a planear um porta-aviões.

Com um exército enorme, mas equipamento obsoleto, a Coreia do Norte conta com a ameaça nuclear e avanços constantes na capacidade balística. Os ensaios com mísseis recomeçaram depois de 2019 e Kim Jong-un tem à sua disposição engenhos de combustível sólido, mais fáceis de esconder. Os norte-coreanos estão a construir um submarino capaz de lançar ogivas nucleares.

*Artigo originalmente publicado na edição impressa do NOVO nas bancas a 3 de Setembro de 2021