Estão em todo o lado, nos hospitais, nos centros de saúde, nos lares, onde são sempre os primeiros a chegar aos doentes. Desempenham funções sensíveis e indispensáveis. Mas estão sempre à margem das grandes discussões nacionais sobre a saúde em Portugal. Os auxiliares de ação médica, encaixados desde 2008 no lote dos assistentes operacionais, estão há mais de 15 anos sem categoria profissional, sem progressões e a receber o salário mínimo nacional. Viram, nos últimos anos, as condições de trabalho piorar, numa profissão de “desgaste rápido”, em que a média de idades ronda os 58 anos. Cansados de promessas vãs, estes profissionais esperam que o governo cumpra, finalmente, com a palavra e crie a nova categoria e carreira profissional em 2024.
“Em princípio, a criação da nova categoria e carreira acontecerá no início de 2024, se o governo não continuar a empurrar com a barriga”, diz ao NOVO João Fael, membro da assembleia-geral da Associação Portuguesa de Técnicos Auxiliares de Saúde (APTAS).
O dirigente da associação que só no SNS representa mais de 28 mil profissionais (mais de 150 mil se se contabilizar público, privado e social) alerta, no entanto, para a realidade de uma classe desconsiderada há década e meia. “Sem categoria profissional, as instituições, com a conivência do Ministério da Saúde, recrutam pessoas no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) sem qualquer formação ou experiência”, caso único na União Europeia.
Ao mesmo tempo, conta João Fael, aqueles que frequentam o curso de técnico auxiliar de saúde no IEFP ou em escolas profissionais acabam por não ficar na área, tendo em conta as condições de trabalho e os baixos salários.
Manuela Medinas tem 45 anos e trabalha como auxiliar de ação médica no Hospital de São Bernardo, Setúbal, há 25 anos, Garante ao NOVO que a classe, além de envelhecida, “está em burnout” com o “sacrifício feito na pandemia” e o acumular de “tardes, noites, natais e passagens de ano”.
A juntar a isso, é a falta de reconhecimento que os vai moendo. “Somos os outros, há médicos, enfermeiros, e nós, os outros. Também lidamos com os doentes e não temos, por exemplo, um código deontológico”, lamenta Manuela, lembrando que “nada funciona” num hospital sem auxiliares. Numa enfermaria, explica, são os auxiliares quem prepara os doentes para exames e cirurgias, quem faz a higiene e dá comida. “Somos mesmo indispensáveis. Somos sempre os primeiros a chegar ao doente. Não percebo o porquê de sermos tão excluídos.”
Apesar das queixas, Manuela gosta “imenso” do que faz, tem “orgulho” na profissão e não pensa em mudar de área. “Só ficam os que têm amor à camisola. Nenhum jovem está disposto a viver a ganhar o salário mínimo”, reconhece.
Isaura Batista, de 61 anos, partilha a paixão, mas também as queixas. É auxiliar de saúde há 15 anos, dez deles no serviço de urgência geral e há cinco anos na hemodiálise, em Setúbal. “Fazemos parte de equipas multidisciplinares, mas pura e simplesmente somos invisíveis, ninguém fala em nós, ninguém nos consulta; temos desgaste rápido, é uma profissão de risco, há situações de stress (…)”, lamenta.
“Estou há 15 anos neste hospital, tenho formação de técnica auxiliar de saúde, e outras, e o meu salário é rigorosamente igual ao de quem acaba de entrar sem qualquer qualificação. É revoltante”. No serviço de Isaura, há quem tenha vindo de uma oficina. No trabalho diário, é Isaura que recebe os doentes, mede-lhes a temperatura, senta-os para fazerem a sessão de hemodiálise. Toda a parte da higienização das cadeiras e da máquina também é feito por ela.
Mas mais do que isso, são os auxiliares quem “apoia os familiares em caso de sucesso e nos casos em que o doente fica pelo caminho”. São também os auxiliares que ficam “para escutar os anseios e frustrações dos doentes”, representando, muitas vezes, o lado mais humano nos cuidados de saúde que, cada vez mais, se parecem “com uma linha de montagem”.