Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal brasileiro, admitiu hoje a possibilidade de haver mais processos e indiciados após a conclusão das investigações do Ministério Público sobre a alegada tentativa de assassinato do atual Presidente do Brasil.
Numa entrevista à Lusa em Lisboa, onde se encontra para participar hoje e sexta-feira, numa conferência sobre litigância de massas, organizada pelo Forum para a Integração Brasil Europa, Gilmar Mendes disse que “é possível” haver outros indiciados e outros processos após conclusão das investigações do Ministério Público sobre a alegada tentativa de assassinato de Lula da Silva e outros altos responsáveis do país, por um grupo ligado a Jair Bolsonaro, porque há pessoas detidas que “certamente prestaram esclarecimentos”.
O responsável do Supremo Tribunal Federal recordou que “uma parte” do que agora foi revelado, pelo relatório da Polícia Federal que foi entregue pelo Supremo Tribunal Federal na terça-feira passada ao Ministério Público, deveu-se “à chamada delação premiada pelo antigo ajudante de ordem do ex-presidente Bolsonaro, Mauro Cid”.
Por isso, “podem ocorrer novas delações e novas revelações”, concluiu.
“Esse próprio facto agora, que versou sobre possível assassinato do presidente da República, do vice-presidente [Geraldo Alckmin] e do ministro Alexandre [juiz do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Morais] e eventualmente de outros personagens, foi um desdobramento das investigações. Então é possível que haja ainda desdobramentos nessa linha”, acrescentou.
Pelo que, no seu entender, este “novelo” ainda está no meio.
“Eu espero que estejamos no meio desse novelo, nem no fim, nem no começo”, adiantou, acrescentando: “não é o fim, porque, obviamente, ainda não tivemos uma denúncia [acusação] por parte do Ministério Público e nem julgamento, [mas] também não estamos no começo, porque imagino que todas essas bombas já foram desarmadas”.
Porém, as últimas revelações da polícia já “são extremamente preocupantes e mostram quão grave foi essa iniciativa e quão ousados eram essas pessoas que estavam em altos postos do Governo”, realçou ao longo da conversa.
Agora, há que esperar que a Procuradoria-Geral da República brasileira fale e, depois, “o tribunal há de debruçar-se sobre esses elementos”, disse.
Gilmar Mendes estimou que só a partir de fevereiro do próximo ano deverá haver acusação do Ministério Público, já que as férias judiciais iniciam-se a 20 de dezembro, prolongando-se até janeiro.
Na interpretação do juiz conselheiro do Supremo Tribunal Federal, “tudo indica que Bolsonaro cultivou a ideia de permanência no poder a qualquer preço”, daí todo o seu “ataque às urnas eletrónicas, que nada mais era do que uma justificativa para alguma interrupção do processo” de tomada de posse de Lula da Silva como Presidente do Brasil.
Perante este processo, o que o Brasil deve fazer é organizar “a fuga para a frente”, “fazendo reformas”, entre elas a que não permita que militares “ocupem cargos administrativos de civis”.
Admitindo que no país há “resistências” a esta reforma, Gilmar Mendes defendeu que ela tem de ser “um projeto de Estado”, tal como é também preciso que o Brasil crie medidas que impeçam a “politização de forças policiais”.
Na passada terça-feira, o Supremo Tribunal Federal do Brasil enviou à Procuradoria-Geral da República o relatório que acusa Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas de terem conspirado para impedir a tomada de posse de Lula da Silva. O documento resume a investigação realizada pela Polícia Federal durante quase dois anos e será analisado pelo Ministério Público.
Depois de analisado, o Ministério Público decidirá se existem provas suficientes para acusar o ex-presidente brasileiro e os demais envolvidos perante o Supremo Tribunal Federal.
As 37 pessoas foram acusadas pela Polícia Federal na semana passada da prática dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, passíveis de penas que variam individualmente entre os três e os 12 anos de prisão.
Além de Bolsonaro, foram indiciados pelos três crimes o general da reserva do Exército Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa do Governo, o general da reserva Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin) e o presidente do partido de Bolsonaro, Partido Liberal (PL), Valdemar da Costa Neto.