Quando Rafael Bordallo Pinheiro apelidou a Política de A Grande Porca, fê-lo com a noção popular de que se trata somente de uma instituição a partir de onde as várias personalidades ou poderes políticos podem alimentar-se. A partir desta terça-feira, é também porque se trata de uma atividade suja – equiparável a chafurdar na lama. Não tem de sê-lo.

Nunca assumi – nem há de ser agora – a política idealista enquanto atividade virtuosa, na famosa rábula de que os problemas são comuns a todos, mas têm, simplesmente, soluções diferentes. Não só não temos todos os mesmos problemas e prioridades políticas, como há factualmente soluções mais pertinentes do que outras. Também não é disso que se trata.

Os deputados da Assembleia da República assumem as suas funções, primeiramente, em representação da Nação e apenas segundamente em representação dos seus ideais. O grande problema ocorre quando os ideais são não-existentes e, ao invés disso, a representação é dos interesses partidários, com o respetivo partido como organismo relativamente independente e isolado do processo democrático enquanto, simultaneamente, parte do sistema.

Pelo seu carácter de partido do arco tradicional de governação, o PS é muito menos ideológico do que a sua liderança possa querer transparecer e menos ainda do que alguns dos seus militantes-base, principalmente os mais antigos, possam acreditar. Pela infeliz condição de líder da oposição e pelo tradicional funcionamento da casa da democracia, o principal papel do PS agora seria, normalmente (precisamente), colocar o partido a dar prioridade ao país e tentar recuperar o que mais deseja, que é o aparato de Estado.

O Chega, pelo seu carácter enquanto partido nominalmente antissistema de direita radical populista, é muito mais perigoso do que a sua liderança possa querer transparecer e ainda mais perigoso do que alguns dos seus militantes-base possam acreditar. O Chega é, certamente, mais acutilante nas suas posições do que o PS, mas nenhuma delas dura muito tempo. Quer isto dizer que, de certa forma, é tão ideológico que deixa de sê-lo e o seu maior objetivo é a disrupção do presente, não a construção de um futuro.

Assim, apesar dos constantes avisos da instrumentalização do Chega por parte do PS para ganho eleitoral e da instrumentalização do PS por parte do Chega para se opor à direita democrática, fala-se, em vez disso, em supostos acordos entre o Chega e a AD ou de abraços entre André Ventura e Luís Montenegro.

Ficou claro que a vida política do país não se adivinha risonha, já que a polarização política em curso apenas beneficia, por um lado, a força maior atrás da qual as restantes forças de esquerda se escondem e agrupam e, por outro, a voz do populismo e do descontentamento. Quem está no olho da tempestade, quem se opõe à polarização no seio do processo decisório, não tem forma de parar esta tendência.

O Chega nada fará por isso, portanto compete ao PS ter responsabilidade democrática neste sentido. Pelo ciclo natural das coisas, a seu tempo voltarão a governar. Para que isso aconteça, o sistema político tem de manter-se estável. Para manter-se estável, o PS tem de dar um passo atrás antes de poder dar dois à frente. Para que possa mais tarde dar prioridade ao partido, tem de dá-la primeiro o país – porque esta sua inimizade é frágil, mas a democracia é tanto mais.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais