Nem todos os conflitos são criados iguais. Não porque o seu valor enquanto conflito seja inerentemente menor, mas porque o ser humano tem um plafond limitado de atenção e compaixão pelo desastre. Ao ser humano importa quem participa no conflito e sob que motivações; e, às vezes, nem razões pertinentes conseguem convencer populações alheias.

Em vésperas da invasão russa à Ucrânia, quando tudo se adivinhava mas nada se previa, uma diminuta franja online desmentia os rumores: “A Rússia nunca colocaria em causa a soberania e integridade territorial de um país terceiro”, como se o imperialismo fosse exclusivo dos Estados Unidos ou a Rússia não o tivesse feito também apenas oito anos antes.

Quando a invasão foi consumada, essa franja minguou e o sentimento popular de apoio à Ucrânia foi assoberbante. Importou quem participava no conflito – europeus, brancos – e sob que motivações – na defesa contra um adversário estratégico e histórico do mundo ocidental. A questão da proteção da identidade nacional ucraniana e do princípio da autodeterminação dos povos falou mais alto que tudo o resto, ficando claro de que lado deveríamos estar.

No conflito israelo-palestiniano, ficou mais difícil para uma parte considerável da população saber quem deveria apoiar. Numa primeira fase, a população “ocidental”, “democrática”, maioritariamente branca, foi atacada – e a simpatia foi, automaticamente, transferida para os injustiçados. O apoio incondicional a Israel por parte das instituições europeias parecia deixar clara a mensagem, mas, à medida que o tempo passa, voam alegações sobre as verdadeiras intenções israelitas com o conflito. Aí, a causa da proteção da identidade nacional palestiniana e o princípio da autodeterminação dos povos já se torna mais complicada, com nuances.

As acusações não têm necessariamente de ser apresentadas em grupo, isto é: ao criticar os Estados Unidos, não tenho de criticar a Rússia ou a China na mesma frase por cometerem os mesmos delitos. Espera-se algum tipo de igualdade de critério. Neste sentido, parte da esquerda cai no pecado de tomar por amigo quem é inimigo dos seus inimigos. Por outro lado, embora reconheça os pressupostos da geoestratégia do mundo ocidental, parte da direita cai no erro de desculpar ou justificar tudo com base nos seus próprios interesses e vieses, descartando tudo o resto.

Nada disto implica, no entanto, que a oposição a imperialismos e agressões pressuponha apoio a determinado tipo de regime. São dois atos diferentes, nem interligados nem mutuamente exclusivos: imperialismo não o é apenas quando quem o comete não está alinhado com os nossos interesses; e o princípio da autodeterminação dos povos não é aplicável somente em regime excecional e à mercê de pressupostos arbitrários.

Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais