Este é o artigo que alguns liberais não queriam ler, talvez por isso tenha sentido a necessidade de escrevê-lo agora. O tema da imigração é o elefante na sala para qualquer partido liberal nas próximas eleições europeias. O dilema é entre o pragmatismo – um eufemismo para eleitoralismo – e a coerência ideológica.

Nas últimas legislativas, a Iniciativa Liberal escolheu o caminho mais fácil e deixou o elefante espezinhar as suas raízes antes de adormecer ao colo dos conservadores. Está na hora de João Cotrim de Figueiredo se demarcar, em matéria de imigração, de várias propostas apresentadas pela Iniciativa Liberal durante as últimas eleições nacionais – simplesmente porque de liberais têm pouco – e marcar diferenças claras face à cartilha conservadora de Sebastião Bugalho.

É estranho que um partido liberal queira impor a obrigação de fazer depender a autorização de residência de um contrato de trabalho previamente celebrado ou, pasme-se, de prova de meios de subsistência. Num partido que se agita pela liberdade individual, pelo direito de cada um ser o que entender e fazer o que quiser com a sua vida, este regresso ao passado é uma negação daquilo em que dizemos acreditar. Se o que nos inspira, tal como está escrito no quadro identitário do partido, “é a enorme admiração por aqueles que procuram um amanhã melhor”, é incoerente limitar esse sonho ao volume de uma qualquer conta bancária. Defender uma liberdade para ricos e outra para pobres é a traição primária ao liberalismo em que acreditamos.

Redes de tráfico humano combatem-se com investigação e mão pesada, não com visões paternalistas que duvidam da capacidade de cada um reerguer a sua vida, construir o seu futuro e triunfar pela força do seu mérito e capacidade de trabalho. Como é que alguém que vive do outro lado do mundo vai conseguir, previamente, um contrato num café em Braga a precisar de mão de obra?

Quantos mais obstáculos erguermos no caminho de quem sonha, mais passadeiras estendemos a quem lucra com o direito a sonhar. Se o problema é a exploração, reduza-se a burocracia, fiscalize-se e punam-se os exploradores. Se a justificação é a indignidade de um regime de cama quente, aposte-se na resolução do problema da habitação, simplifiquem-se procedimentos, construa-se e aposte-se numa rede de transportes a sério que reduza a distância entre os centros e as periferias.

Os liberais acreditam na força das oportunidades e na sua capacidade regeneradora, precisamente aquilo que o último programa eleitoral da Iniciativa Liberal nega quando se refere à imigração. O que lá está escrito é a negação do direito de alguém mostrar que é capaz. É fechar a porta na cara de quem sonha e de todos aqueles que, mesmo sem contrato prévio ou conta bancária com muitos zeros, querem provar que conseguem, que vingam, que podem começar tudo de novo em qualquer canto do mundo que escolheram para serem felizes.

A desconfiança à partida é a rejeição do liberalismo. Não me venham falar de garantia de dignidade. A dignidade não está garantida, de forma automática, pelo simples facto de alguém chegar à fronteira com um contrato na mão, que o digam muitos dos trabalhadores que cultivam agora o Alentejo.

A dignidade constrói-se com políticas de integração. A solução das portas fechadas apenas acalma a dor de quem está dentro de casa, porque o sofrimento e a pobreza não deixam de existir por estarem longe dos nossos olhos. Os conservadores usam o argumento da dignidade para manterem o problema longe da vista e ainda mais longe do coração. Se queremos compromissos, discutamos então um modelo ágil de Visto Europeu de Procura de Trabalho, à semelhança do que já acontece em vários Estados-membros.

Numa Europa cada vez mais polarizada, é aos liberais que compete construir pontes entre a esquerda moderada das liberdades sociais e a direita das liberdades económicas com quem ainda é possível dialogar. É aos liberais que compete combater os radicalismos com humanismo e rejeitar, de forma clara e inequívoca, que alguém possa estar excluído de viver um sonho de Paz, Liberdade e Prosperidade apenas por ter nascido do lado de lá das nossas fronteiras. Isso não só é iliberal, como profundamente antieuropeu.

Consultor de comunicação e membro da Iniciativa Liberal