O sistema de planeamento e de gestão territorial em Portugal, investido de um quadro legal com elevado grau de complexidade, a que se associa uma multiplicidade de atores institucionais sectoriais interventores, redunda num exercício abstrato, onde matérias essenciais, como a forma urbana, a qualidade do espaço público, a concretização de equipamentos coletivos, o equilíbrio de funções e o acesso à habitação ficam arredadas ou secundarizadas.
Nesse campo de abstração, no âmbito das discussões públicas, não raras vezes, assistirmos à defesa de uma prioridade e do seu contrário. Isto porque o plano muitas vezes não resultou de uma visão sistémica de desenvolvimento urbano, mas redundou do mínimo denominador comum, depois de expurgadas todas as condicionantes que os diferentes setores impuseram ao território: servidões administrativas; Reserva Ecológica Nacional; Reserva Agrícola Nacional; programas de âmbito nacional ou regional.
Por outro lado, a valorização fundiária é o elefante presente na sala que todos teimam em não ver ou considerar. É, aliás, um fator que deveria ser considerado preponderante nos processos de negociação urbanística, para concretização de objetivos de interesse público.
Em Portugal, os processos de negociação urbanística são tendencialmente tabu, porque a judicialização crescente das decisões da administração impõem cautela ao decisores. Como consequência, resignamo-nos, na maioria dos casos, à mediocridade dos resultados de uma gestão territorial baseada na conformidade da norma, ao invés de um processo transparente de negociação, em nome de um projeto de cidade.
Por contraponto, em França está-se a apostar em formas menos rígidas de planeamento, elegendo-se os “projetos urbanos” como instrumentos de concretização de processos de reconversão ou expansão urbana, através de mecanismos de “urbanismo negociado”.
O processo de reconversão de uma antiga área portuária de Bordéus, Bassins à Flot, constitui um exemplo de urbanismo negociado, baseado num processo de cocriação de desenho de um novo sector urbano, tendo por base uma ideia de cidade a desenvolver, que se expressa através de objetivos de sustentabilidade ambiental; de integração urbanística, com a definição de elementos unificadores da imagem urbana e de definição do espaço público; de vivência urbana, através de mistura de funções e de mistura de estratos populacionais, limitando-se a percentagem de fogos destinados ao mercado livre e impondo-se a proporção de fogos destinados a diferentes programas habitacionais públicos.
Os projetos urbanos podem ser reconduzidos à combinação dos extintos programas de ação territorial e das unidades de execução. Estas últimas, inspiradas no modelo das juntas de conpensación, importado de forma incompleta da legislação espanhola, por faltarem, no nosso ordenamento jurídico, instrumentos de intervenção municipal que permita obstar a uma minoria de proprietários bloqueadores.
A montante, temos de simplificar substancialmente os processos de elaboração e revisão dos planos municipais de ordenamento do território, bem como o seu âmbito regulamentar, reforçando os poderes e a responsabilidade dos municípios, para que passemos a contar com um quadro de ordenamento territorial que enquadre projetos de cidade, mobilizadores da sociedade civil, permitindo o desenvolvimento de soluções urbanas integradas, através de uma negociação que envolva, de forma transparente, todos os atores locais.