As imagens de veados, raposas e até ursos que passeavam tranquilamente pelas cidades do mundo inteiro – OK, também muitas ratazanas -, alegraram o período mais estúpido e radical da covid-19 e mostraram como o excesso de carros e poluição nos afasta de um modo de vida melhor e mais agradável. Não quero ursos ao pé de minha casa, já tenho vizinhos bizarros em número suficiente, mas fiquei a pensar neste assunto quando ouvi Montenegro falar das pensões no congresso do PSD de há uma semana.

Já me explico melhor, mas permita-me voltar ao ideal sem carros ou com menos carros nas grandes cidades. Lembra-se das fotografias do Terreiro do Paço nos anos noventa? A praça transformada num desastroso e monumental parque de estacionamento? Era um retrato fiel do que acontecia por Lisboa inteira e também no Porto. Carros, carros e carros. É verdade que, entretanto, a coisa melhorou um pouco, resgatámos o Chiado e outras praças, mas o domínio dos escapes continua imponente e, talvez porque eu esteja a ficar velho, admito que sinto cada vez mais o irredutível apelo bucólico pela natureza – alguma natureza, embora não demasiada natureza. Na verdade, apenas gostaria de ver menos carros, ter mais passeios, mais árvores, conseguir mais qualidade de vida urbana sem ter de emigrar para a solidão do campo. Antes que o leitor me tome por uma espécie de hippie pós-moderno – a folha-caduca dos homens de meia-idade -, assumo-me como orgulhoso proprietário de um carro com muitíssima testosterona, embora também uma Vespa amarela que me permite ziguezaguear pela urbe.

Escrevo sobre este assunto porque, por causa de Montenegro – sim, já lá vou… – me lembrei da proposta que Fernando Medina fez quando era presidente da câmara de Lisboa. Ele queria fechar o trânsito na Avenida da Liberdade. Fechar mesmo. Na altura, a ideia irritou-me bastante mais pela forma do que pela ambição. Medina comunicou-nos subitamente o que iria fazer. Não apresentou planos concretos, não discutiu a ideia com os lisboetas – simplesmente, comunicou: será assim, aguentem-se. Claro, a ideia morreu logo ali, foi direta para a sarjeta. E no entanto era um projeto magnífico e muito necessário. Veja-se o que está acontecer em Berlim, Londres e pela Europa fora – é isto mesmo. Carros e motas, saiam da frente. Queremos floresta, alguma floresta. Macieiras e nespereiras, limoeiros e laranjeiras, oliveiras e jacarandás, a árvore que nos enche os olhos a partir de maio.

Este ímpeto reformista de Fernando Medina soçobrou prematuramente. Carlos Moedas, enfim, o que dizer dele? Está a revelar-se, apenas nesta área, um gestor de circunstâncias, talvez até defensor de um certo retrocesso. Parece que ser verde é, para Moedas, talvez demasiado de esquerda. Vai daí, quis cancelar – mal – o corredor de bicicletas na Almirante Reis, mas não conseguiu. Pelo caminho transformou a Infante Santo nas 24 de Le Mans, embora isto não nos tenha dito na campanha eleitoral. Em vez de impulsionador do progresso na área ambiental, o nosso presidente da câmara revela-se um feroz defensor do statu quo. Porquê? Arrisco dizer porque dá votos. O fácil, ceder ao comodismo anacrónico de quem vive em Lisboa é sempre eleitoralmente vantajoso, mesmo que isso signifique uma espécie de recuo bárbaro que aponta para o velho estacionamento a céu aberto no Terreiro do Paço. A direita moderna acha que ser de direita é ser contra as vacinas covid-19, recusar o aquecimento global, defender os carros e desprezar a cultura, esse covil de esquerdistas.

Chego finalmente a Montenegro. O facto de ele ter sobrevivido ao permanente regurgitar de líderes e proto-candidaturas no PSD exige o meu maior elogio. A capacidade de resistência e a pele grossa são fundamentais num líder político. Montenegro tem isto. O que ainda falta, embora talvez chegue a tempo, são ideias capazes de quebrar o molde em que o centro-direita se convenceu que tem de encaixar. Qual foi a principal proposta que o candidato a primeiro-ministro apresentou no dito congresso? Aumentar as pensões. É certo que este eleitorado vota e conta muito, é também verdade que o trauma dos anos da troika afastou o PSD destas pessoas, mas… mas será esta a ideia que fará o país mudar de tendência partidária? Montenegro quer ser apenas uma espécie de PS(D)?

Eu penso que é curto, é pouco, não muda verdadeiramente nada, apesar de os mais velhos merecerem toda a nossa proteção. No entanto, revelar-se apenas eleitoralista não é grande incentivo. Na realidade, o aumento das pensões é o IUC dos sociais-democratas, se é que me faço entender – o PS correu a rasurar a ideia logo que caiu o governo, tal como um certo PSD quer esquecer rapidamente os anos de Passos (um excesso, parece-me). E pensar que eu só queria uma grande ideia, talvez duas ou três capazes de nos fazer respirar e aspirar melhor, como as árvores de Lisboa que tanto anseio. Em vez disso, temos os velhos carros, as velhas pensões e velhas ideias. Definitivamente, parámos no tempo.

P.S. O repórter Ferreira Fernandes escreveu um magnífico livro sobre a praça Martim Moniz (FFMS). Sugere que se faça neste ogre de Lisboa, vítima de más decisões urbanísticas em série, um jardim com árvores oriundas do mundo que Portugal achou in illo tempore. Aqui está uma grande, grande ideia. Carlos Moedas aprovou. Aleluia!Vamos agora ao resto de Lisboa, caro presidente?

Consultor

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 2 de dezembro