Fiquei preocupada quando li que o governador do Banco de Portugal citou David Mourão-Ferreira, o poeta do “amor e da sensualidade”. Afinal, era o poema da falta deles, Abandono.

Não sabia se ficava com pena ou ainda mais alarmada. No meio da mirabolante confusão política, só faltava mais um abandonado. Depois recordei, dos saudosos anos 90, a Herman Enciclopédia e o Baladeiro, com a célebre frase “amigo, companheiro, palhaço”. Longe de mim chamar alguma coisa destas ao governador do BdP, mas que o partido a quem já esteve oficialmente ligado e pelo qual foi ministro tem feito trapalhadas e palhaçadas, isso ninguém pode negar.

Infelizmente, e não com a graça de um sketch do Herman José, deu-se um episódio de gravidade considerável protagonizado por Centeno. Apesar de todos apontarem, gritantemente, para a magnitude e implicações, as elites comportaram-se como se não tivesse sido nada. Até a comissão de ética do BdP achou perfeitamente normal que o seu governador tivesse revelado ao Financial Times que tinha sido convidado pelo Presidente da República e pelo ainda primeiro-ministro para ser seu substituto e que “estava longe de chegar a uma decisão”. É desmentido pelo PR implacavelmente e tem de reconhecer que mentiu. Só que o lugar que ocupa não dá espaço para indecisões e mentiras. E reage-se como se isto fosse absolutamente normal. Deve ser o hábito: a promiscuidade entre lugares políticos e apolíticos é tal que já não se mede o peso da ética nem da estética.

Continuo a preferir os poemas de David Mourão-Ferreira explicitamente sensuais: pelo menos, não enganam ninguém.

Professora universitária

Leia o artigo na íntegra na edição do NOVO que está, este sábado, dia 18 de novembro, nas bancas