O Global Risks Report 2024, divulgado esta quarta-feira, revela que a desinformação está topo dos riscos globais num período de dois anos. O relatório produzido pelo Fórum Económico Mundial, em parceria com o Zurich Insurance Group e a Marsh McLennan, tem por base a opinião de mais de 1.400 especialistas em riscos globais, decisores políticos e líderes da indústria.

Além da desinformação que ocupa o lugar de topo nos riscos a curto prazo, os riscos climáticos extremos, a polarização social, a insegurança cibernética e os conflitos armados interestaduais completam o top-5 dos riscos.

A longo prazo, num período de 10 anos, os riscos climáticos e ambientais assumem preponderância.

Num ano marcado por eleições em vários países e também para o Parlamento Europeu, o risco da desinformação torna-se particularmente relevante, até pela influência que tem noutros riscos como o dos fenómenos climáticos e os conflitos armados entre estados. “É algo que reflete o mundo globalizado de hoje. É importante termos presente esta noção de que não só não há riscos inteiramente isolados, uma vez que estão, cada vez mais, relacionados e interdependentes, como não há riscos de escala global que só afetem alguns de nós. Os riscos climáticos, por dizerem respeito ao futuro do próprio planeta – e existindo inclusivamente um consenso na comunidade científica sobre a sua relevância – são um exemplo paradigmático disto”, diz ao NOVO Edgar Lopes, Chief Risk Officer da Zurich Portugal. “Os riscos da desinformação generalizada e da informação falsa – como a clonagem de voz, os vídeos manipulados ou websites falaciosos – podem comprometer a legitimidade de governos e instituições, o que poderá resultar em protestos violentos, crimes de ódio ou atos de terrorismo. Ao mesmo tempo, nenhuma democracia deseja que a resposta à desinformação resulte em menor liberdade ou maior condicionamento no acesso à informação”.

“Este ano, estes dois riscos surgem como as principais preocupações a curto prazo e não é ao acaso. É fundamental termos presente o desafio que representam, o de podermos ter intervenientes a tirar partido da desinformação para alargar ainda mais as divisões sociais e políticas. Só este ano, espera-se que cerca de três mil milhões de pessoas se dirijam às urnas em diferentes países, incluindo Bangladesh, Índia, Indonésia, México, Paquistão, Reino Unido e Estados Unidos – além de Portugal. Temos ainda eleições para o Parlamento Europeu em junho. Para além das eleições, é expectável que as perceções da realidade se tornem mais polarizadas, influenciando o discurso público sobre questões que vão desde a saúde pública à justiça social”, frisa o especialista da Zurich Portugal.

Questionado sobre o que pode ser feito para reduzir o impacto da desinformação, Edgar Lopes afirma que “para combater estes riscos emergentes, os governos estão a começar a implementar novos regulamentos para serem aplicados aos criadores de conteúdos ilegais”. “Podemos assistir ao risco de alguns governos agirem lentamente, por enfrentarem o compromisso de prevenir a desinformação e proteger, em simultâneo, a liberdade de expressão, enquanto governos mais opressivos podem aplicar um controlo regulamentar que pode interferir com os direitos humanos”, vinca.

Reconhecendo que os avanços tecnológicos aumentaram a eficácia da desinformação, Edgar Lopes sublinha que “um dos melhores aliados pode ser a própria inteligência artificial, que tem mostrado capacidade para desenvolver algoritmos e ferramentas mais sofisticadas para ajudarem na deteção de desinformação”.

A ameaça da ordem multipolar

Uma das preocupações salientadas pelos especialistas inquiridos no âmbito do Global Risks Report 2024 é a da formação de uma ordem multipolar na próxima década, o que pode colocar em causa a cooperação global. “A ocorrer essa ordem multipolar, a tão necessária cooperação em questões globais urgentes, desde uma crise ambiental, até aos avanços tecnológicos, poderá ser cada vez mais escassa, exigindo novas abordagens para enfrentar os riscos globais”, explica Fernando Chaves, Risk Specialist da Marsh Portugal.

“É importante relembrar que no relatório de 2023 demos destaque à necessidade de devermos conviver num mundo de policrises. De igual modo, já há 10 anos, no relatório de 2014, um cenário de ordem multipolar e a necessidade de maior cooperação era endereçado como alerta e o facto é que, hoje, a perceção de uma maioria de dois terços sobre uma ordem multipolar deve ser lida não tanto como um cenário distante, mas sim de forma séria, levando os estados e as organizações em geral a necessitar de desenvolver políticas e ferramentas de gestão de risco que lhes permitam ‘navegar’ as referidas policrises, relacionando-se com outros atores (países, regiões, organizações multiestatais ou multinacionais) que podem optar, dependendo da situação e interesse, pelo confronto ou pela cooperação, pela ação de compromisso climático mais acelerado ou pela competitividade, deixando esses compromissos para mais tarde”, assinala o especialista da Marsh Portugal.

A possibilidade de uma ordem multipolar “terá efeitos ainda difíceis de prever”, mas fatores “como a capacidade de produção de alimentos de base ou exploração de matérias-primas fundamentais, nomeadamente para a aceleração tecnológica e transição energética, serão cruciais e obrigarão as diplomacias dos principais países implicados a movimentações para garantir interesses críticos, nem sempre fáceis de conjugar num contexto multipolar”.

Clima e ambiente nos riscos a longo prazo

No período a 10 anos, nos riscos a longo prazo, no top-10 do Global Risks Report 2024, há quatro riscos ambientais nas quatro primeiras posições. “Ao longo de quase 20 décadas, o Global Risks Report tem mostrado como alguns riscos, nomeadamente sócioeconómicos, geopolíticos e mesmo climáticos, parecem persistir ao longo dos anos. É um sinal claro de que devemos fazer mais no imediato para mitigar estes riscos, sob pena de em certos casos os danos ao nosso planeta poderem ser irreversíveis”, realça Edgar Lopes.

“Não é surpreendente, num ano marcado por instabilidade social, de impacto no custo de vida e aumento de tensão geopolítica em certas regiões, que os riscos climáticos percam preponderância no curto prazo”, indica o Chief Risk Officer da Zurich Portugal. “Temos é de ter presente, em especial os decisores políticos, que os riscos climáticos não são uma realidade distante. Cada vez mais sentimos e testemunhamos o impacto do aumento da severidade de eventos climáticos e da fragilidade dos ecossistemas. O facto de os riscos climáticos serem a maior preocupação a longo prazo, dá-nos a esperança de perceber que há consciência do quão urgente é agirmos, pelo bem do nosso futuro, em especial das próximas gerações”.