O Governo apresentou ontem aos funcionários judiciais e oficiais de Justiça uma proposta de revisão da carreira com impacto estimado de 20 milhões de euros anuais e que transforma parte destes profissionais em assessores de magistrados. Mas, os sindicatos mantêm as greves, argumentando que o Governo já antes tinha apresentado uma proposta semelhante e que esta nada traz de novo.

“Não parece que a posposta responda a nenhuma das questões fundamentais, nem dos trabalhadores, nem sequer da Justiça”, disse António Marçal, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ. O responsável esclareceu que vai levar o assunto à Assembleia-Geral do sindicato para ouvir todos os interessados, devendo isso acontecer antes do dia 16 de outubro. Entretanto, adiantou, as jornadas de luta vão manter-se durante o dia de hoje, em Lisboa e no Porto, “para mostrar ao Governo que não nos intimidamos”, disse. Esta posição de força causou, entre outras consequências, o adiamento do julgamento do caso EDP que estava agendado para esta terça-feira. António Marçal acrescentou que vai propor ao Governo o início das negociações daquela “já longa luta”.  “Este é um mau documento, é um mau serviço que o ministério está a prestar à Justiça”, sublinhou António Marçal.

A proposta do Governo prevê a divisão da carreira em duas categorias, um suplemento mensal de 20% e um aumento de 100 euros no salário de ingresso na base da carreira.

De acordo com o documento,  a carreira passa a dividir-se em duas carreiras especiais: carreira especial de técnico de justiça, que não necessitam de ser licenciados, mas terão “um período de formação especial obrigatório em fase de recrutamento”; e a carreira de técnico superior de justiça, obrigatoriamente “licenciados em área jurídica” e que exercem “funções de maior complexidade e com grau de exigência técnica mais elevado”.

Estes últimos serão na prática assessores de juízes e magistrados do Ministério Público (MP) nos tribunais, reconheceu hoje o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves, em declarações aos jornalistas no final do encontro com os sindicatos no qual a tutela apresentou a sua proposta de revisão de estatutos.

“Nós com a proposta da divisão em duas carreiras, estará digamos que mais próximo de alguém que assessora o juiz ou o magistrado do MP de modo a que se possa libertar o magistrado de funções burocráticas que hoje ainda tem que fazer”, disse o governante.

Questionado sobre as dúvidas de constitucionalidade suscitadas a uma proposta semelhante em 2021, ainda quando o Ministério da Justiça era tutelado por Francisca Van Dunem, o secretário de Estado rejeitou dúvidas sobre o documento hoje entregue: “Entendemos que a proposta que estamos a fazer não contém nenhuma inconstitucionalidade”.

Jorge Alves referiu que esta alteração funcional na carreira implicará mudanças legislativas.

“O que nós propomos é para os conteúdos funcionais a possibilidade de os técnicos superiores de justiça exercerem nomeadamente as funções e praticarem os atos que a lei lhe conceder. Se nós alterarmos o processo penal, o processo civil, dizendo que determinado ato que hoje é praticado pelo juiz ou pelo magistrado do MP passa a poder ser praticado pelo técnico superior de justiça não estou a ver onde está a inconstitucionalidade”, disse.

Segundo o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, “a seu tempo” a matéria voltará à Assembleia da República, onde já esteve, mas onde o processo ficou suspenso, para agora “voltar a olhar para as regras de processo” e com isso conseguir “uma justiça mais eficiente”.

Sobre o racional económico da proposta, que foi apresentada não só com um novo texto de Estatutos, mas também um estudo de viabilidade “que o suporta”, Jorge Alves insistiu na ideia de valorização salarial e da carreira, não só pela via do aumento médio entre 5% e 8% nos salários, mas pelo suplemento de disponibilidade de 20% pago em 12 meses, o que considerou “um impacto muito significativo”.

Reconhecendo que este suplemento não está, para já, na proposta inicial, integrado no vencimento como pedem os sindicatos, nem tem efeitos em termos de aposentação, disse também que a proposta do Governo não é um documento fechado e que pode ser negociado.

Jorge Alves, que insistiu na ideia de boa-fé negocial do Governo, espera também impactos desta proposta na agenda de luta e protesto dos sindicatos.

“Nós sempre estivemos neste processo negocial de boa-fé […]. Naturalmente também esperamos dos sindicatos agora algum avanço no sentido de uma pacificação social e pacificação judiciária e eu penso que os representantes sindicais compreenderam perfeitamente isso hoje”, disse.