França: duelo de 2017 pode ser repetido em 2022

No grupo de 12 candidatos, oito homens e quatro mulheres, o favorito é o actual Presidente, Emmanuel Macron, de 44 anos, do partido A República em Marcha (centrista), que concorre à sua própria sucessão e lidera as intenções de voto. Em segundo lugar nas sondagens surge Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional (extrema-direita) e que, para surpresa de muitos, ultrapassou o seu rival da extrema-direita Éric Zemmour, do Reconquista, relegado, entretanto, para o quarto lugar.

O ex-trotskista e líder do França Insubmissa – União Popular (esquerda radical), Jean-Luc Mélenchon, de 63 anos, surge em terceiro lugar nas sondagens e, para alguns analistas, há uma hipótese de que seja ele a discutir a segunda volta com Macron. O cenário mais plausível continua a ser o duelo entre Le Pen e Macron.

Não deixa de ser curioso que, à semelhança do que aconteceu em 2017, o eleitorado volte a manifestar a mesma tendência, voltando as costas a candidatos de partidos com percurso histórico, como é o caso do Partido Socialista, cuja candidata, Anne Hidalgo, não consegue ir além dos 2,5% nas intenções de voto, apesar dos seus apelos para que a “família de esquerda” lhe dê apoio.

Os candidatos têm até à meia-noite desta sexta-feira para convencerem os eleitores a irem às urnas e fazerem a escolha que melhor responde aos seus anseios. Macron, em entrevista à rádio, lançou um apelo ao voto massivo na primeira volta, o que significaria um claro reforço do seu mandato. E, face ao aumento da influência da extrema-direita, lamentou que, durante os seus anos no Eliseu, não tenha conseguido convencer as pessoas de que “a extrema-direita não é a resposta” para os problemas.

O Presidente afirmou que, caso seja reeleito, está determinado a avançar com a reforma do sistema de pensões, aumentando a idade da reforma dos 62 para os 65 anos, com algumas excepções, e colocando a pensão de reforma mínima nos 1100 euros.

A guerra na Ucrânia foi também tema da entrevista de Macron, tal como tem sido tema na campanha eleitoral de todos os candidatos. O Presidente, que procurou manter o diálogo com Moscovo, afirmou-se chocado com os massacres na Ucrânia e defendeu sanções mais duras e medidas mais claras contra Moscovo. Em sua opinião, os “sectores do carvão e do petróleo” russos devem ser agora alvo de embargo.

A difícil situação da classe média francesa é anterior ao conflito na Ucrânia. Advém do aumento do preço dos combustíveis e, por arrastamento, do custo de vida, e da perda do poder de compra, o que levou já a manifestações – às vezes, nada pacíficas – em várias cidades francesas. Macron reconheceu que a situação não é fácil e que a guerra na Ucrânia pode fazer aumentar a inflação em França.

Simpatias russas

A corrida para o Eliseu de Marine Le Pen, de 53 anos, parecia condenada ao fracasso: alguns dos seus apoiantes optavam por outras forças políticas, o partido denunciava falta de energia, o conflito na Ucrânia ponha a nu as relações privilegiadas da líder da Reunião Nacional, cujos cofres receberam vários empréstimos de Moscovo. As sondagens davam preferência ao rival de extrema-direita Éric Zemmour, também ele um simpatizante de Vladimir Putin.

Le Pen não desistiu e desenvolveu a campanha de forma hábil: ignorou as questões da imigração, que tantas paixões provoca em França, optando por prometer reduzir os impostos sobre os combustíveis. Ousou defender o levantamento das sanções contra a Rússia, que considerou “um país moderno e seguro”. “Penso que é uma democracia”, disse.

As críticas de que foi alvo fizeram-na recuar e, na semana passada, acabaria por condenar de forma inequívoca a agressão russa na Ucrânia. No final de Março, as sondagens davam um segundo lugar a Le Pen e os mais optimistas consideram que a líder da Reunião Nacional pode mesmo derrotar Macron na segunda volta.

O insubmisso

“Há velhos de 30 anos e há jovens septuagenários. Jean-Luc pertence à segunda categoria”, explicava Peter Mertens, antigo presidente do Partido do Trabalho belga (extrema-esquerda), ao definir Jean-Luc Mélenchon ao jornal De Morgen, de Bruxelas.

Há cinco anos, muitos acreditavam que o líder do França Insubmissa iria disputar a segunda volta com Macron, mas tal não aconteceu; agora, alguns acreditam que o ex-trotskista – que abandonou o PS em 2008 – irá congregar uma esquerda completamente fragmentada e que parece estar à deriva. A seu favor contam a experiência, a eloquência e o facto de as suas ideias agradarem, de forma especial, às camadas mais jovens. O seu radicalismo tem sido o obstáculo para uma eventual aliança da esquerda.

Mélenchon, de 70 anos e oriundo de Marrocos, sonha com uma França soberana, ou seja, independente da Aliança Atlântica, dos Estados Unidos e do capitalismo, algo difícil de defender nas actuais circunstâncias.

Até ao início da guerra na Ucrânia, e à semelhança de Le Pen, Mélenchon olhava também para Moscovo como se de um farol se tratasse. “Os russos são parceiros de confiança, enquanto os Estados Unidos não o são. Vamos parar de afirmar que temos valores comuns com os norte-americanos! Não é verdade que defendemos os mesmos princípios”, afirmou o candidato.

A guerra da Ucrânia, porém, alterou-lhe o discurso durante a campanha, feita sobretudo com a utilização das redes sociais e durante a qual prometeu a reforma aos 60 anos, aumento dos salários e subida de impostos para os franceses mais ricos.

Tendo em conta o elevado número de candidatos, é natural que esta 12.ª eleição presidencial da V República francesa não fique resolvida na primeira volta. O eleitorado terá de escolher na segunda, dia 24, entre os dois nomes mais votados.