A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) lamenta a promulgação de dois decretos que introduzem alterações na saúde e e assegura que vai insistir no apelo à fiscalização do diploma da dedicação plena por considerar que o regime (aprovado unilateralmente pelo governo) viola a Constituição. “A Federação Nacional dos Médicos lamenta, até porque tínhamos feito um apelo ao Presidente da República para um pedido de fiscalização preventiva porque entendemos que tem matérias inconstitucionais”, reage Joana Bordalo e Sá em declarações ao NOVO.

A responsável lembra que a FNAM “desconhece as versões finais dos diplomas” em causa (das unidades de saúde familiar e da dedicação plena), apesar de o sindicato ter feito duas interpelações ao Ministério da Saúde no sentido de serem enviados os articulados finais, o que não aconteceu, até ao momento. “Na última reunião apenas apresentaram uns tópicos muito omissos em relação a ambos os diplomas”, diz.

Joana Bordalo e Sá garante que a FNAM “não vai desistir”, “muito pelo contrário”. “Vamos fazer um apelo a um pedido de fiscalização abstrata porque entendemos que a dedicação plena viola claramente a Constituição, que diz que tem de haver uma conciliação da vida profissional e pessoal; os cidadãos têm o direito de trabalhar em condições de segurança e de saúde; têm direito ao repouso e ao lazer e a ter um limite máximo na jornada de trabalho e ao descanso semanal”. Além disso, prossegue, os cidadãos têm também direito a ter “uma proteção especial quando trabalham em condições de risco e penosidade”.

A presidente da FNAM não tem dúvidas que a dedicação plena “fere estes princípios” ao ser pedido “ainda mais trabalho extraordinário aumentando o limite das horas extraordinárias de 150 para 250”, ao acabar com o prejuízo de horário depois do descanso compensatório depois de um médico fazer uma noite, “colocando o médico e o doente potencialmente em risco”. O novo regime “aumenta-nos o limite da jornada diária para 9 horas e é mais uma machadada no descanso semanal aos médicos que não fazem urgência, uma vez que passam a trabalhar ao sábado”.

Questionada com o facto de na nota de promulgação, Marcelo ter sublinhado “inúmeras dúvidas e reticências” mas não ter suscitado dúvidas constitucionais, Joana Bordalo e Sá sustenta que o Presidente acaba por promulgar os diplomas “numa lógica de não querer ser ele a atrasar o processo”, tendo em conta até a maioria absoluta. “Mas seguramente o senhor Presidente sabe do que é que estamos aqui a falar”, acrescenta, lamentando igualmente que o pedido de audiência a Marcelo Rebelo de Sousa não tenha sido atendido.

“A FNAM está pronta a assinar um acordo”, mas negociação está “extremamente difícil”

O novo apelo do sindicato para que seja avaliada a constitucionalidade da dedicação plena vai ser dirigido, muito em breve, à Procuradora-Geral da República, ao Presidente da República e ao Provedor de Justiça. “Temos matéria para tentar reverter isto”. “Gostávamos de conhecer os diplomas, este secretismo todo também não ajuda em nada”, afirma a responsável, admitindo que a promulgação dos diplomas não vai ajudar no processo negocial que decorre.

“Os médicos estão do lado da solução, mas assim vai ser extremamente difícil (…) Há toda uma campanha de propaganda em que parece que querem colocar a população e a opinião pública contra os médicos. Parece que nós é que não queremos ceder, isso não é verdade. A FNAM está pronta a assinar um acordo desde que as nossas soluções, que são justas, sejam incorporadas no que sair da negociação”, defende Joana Bordalo e Sá, atribuindo a responsabilidade do que vier a acontecer em novembro ao ministro da Saúde. “Se efetivamente em novembro houver um caos nas urgências, que se espera, se houver alguma fatalidade, se algum doente morrer, se acontecer alguma tragédia, os culpados não são os médicos que estão a cumprir com o dever e com a lei, a responsabilidade é apenas de Manuel Pizarro”, aponta.

A FNAM lembra ainda que os médicos estão indisponíveis para trabalhar além das 150 horas extraordinárias que a lei determina porque “estão no limite da sua exaustão” e “não é possível fazer mais”. “Mas é isso, infelizmente, que nos estão a pedir”, lamenta Joana Bordalo e Sá, frisando que o exercício da medicina “não pode ser decretado, no fundo, como se fosse um sacerdócio obrigatório”. “Assim, de facto as pessoas não vão ficar [no SNS] e a sangria vai continuar”, avisa.