“Todas as as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.

Tolstoi

 

(Faço uma declaração de interesses: desde, pelo menos, 1990 que entendo firmemente que a família é um conceito difuso e que não tem que encaixar num determinado modelo padrão. Vinda de uma família dita tradicional mas que, do ponto de vista da igualdade, foi visionária, não me senti particularmente condicionada pelo que eram os ditames dessa altura porque tive a sorte de cedo aprender com amigos meus que o amor assume muitas formas. Estive nas lutas pela igualdade de direitos, com total independência da orientação ssexual, como estarei pronta para as retomar se um certo discurso retrógado e machista deixar os antros onde é proferido para passar a tentativa de imposição de um qualquer modelo social. Principalmente se esse dito modelo for um arquétipo do passado que me teria limitado as vistas à janela de uma cozinha onde nunca me encaixarei.)

Foi notícia a publicação de um livro, contendo diversos textos sobre o conceito de família. Entre os vários escritos que o compõem, avulta um de João César das Neves no qual, para além de mostrar um grande saudosismo em relação aos tempos em que a mulher precisava de pedir autorização ao marido para se ausentar, decidiu também fazer o elogio das ditas “donas de casa”. Para aquele, a culpa do que considera ser a degeneração da sociedade parece assentar no facto de as mulheres andarem por aí, em vez de ficarem limitadas à cozinha, a tratar da respectiva prole e a obedecer diligentemente às ordens do marido. Lamentavelmente, no que é omisso é que tais famílias não eram mais felizes do que agora, resumindo-se as mais das vezes à criação de uma aparência que não traduzia a realidade.

Entendo em parte o lamento de César das Neves: eu também não tenho muito jeito para a lida da casa. A diferença entre nós é que não me passa pela cabeça casar para não pagar pelo trabalho doméstico, como não me parece curial tentar-se impor um modelo  que nem sequer terá sido seguido na família de Jesus Cristo, já que, segundo a Bíblia, o pai biológico da criança não era José.

Tirando esta brisa bafienta, o dito livro não contém enormes novidades: há um conjunto de pessoas, em especial homens, que entende que as famílias têm que obedecer a um determinado padrão, preocupando-se menos com a substância do que com a forma. Felizmente, são uma minoria e não me parece sequer que sejam dignos da atenção que se lhes está a dispensar.

Por seu turno, ainda a propósito de família, troca-se de grupeta no Governo mas os casos e casinhos continuam a suceder-se. Na verdade, olhando para o que vai saindo a lume, a história é sempre mesma, mudando apenas os protagonistas, consoante a família que se encontra no poder.

Em Portugal, fica demonstrado que a família mais típica, mais grata e a que mais rendimentos assegura, embora à custa das famílias reais, é a partidária. Os elementos dos partidos parecem corresponder a famílias felizes, todos iguais uns aos outros e deixarem espaço para movimentos populistas – que só parecem diferentes porque ainda não chegaram lá…- crescerem. É uma pena que não se escreva um livro a sério sobre isto, em vez de se perder tempo a repescar modelos que, quando impostos, nunca trouxeram nada de bom.