As legislativas de 2024 estão mesmo à porta e os partidos políticos apresentaram, finalmente, todos os seus programas eleitorais, ou seja, a base daquilo com que pretendem convencer os cidadãos a dar-lhes o seu voto em março. A justiça não poderia ficar de fora – nem a atualidade o permitiria – e os programas das forças com assento parlamentar (com a óbvia exceção do CDS-PP) dedicam cerca de 23.700 palavras em concreto a este tema.

Todos, sem exceção, concluem que a justiça portuguesa de hoje precisa de uma reforma profunda, e não apenas de melhorias pontuais para se adequar à realidade atual, e que a morosidade e complexidade da sua atuação prejudicam o país, os cidadãos e a economia, bem como a performance de todos os agentes do sistema. Para dar resposta a este diagnóstico, também parece haver consenso sobre um conjunto alargado de matérias, que tratarei na segunda parte deste artigo.

Para já, quero falar de advocacia e de advogados e da forma como as formações políticas tratam as questões da classe nos seus programas eleitorais: afinal, é este o momento para verificar se os partidos políticos verdadeiramente têm sabido interpretar as preocupações que temos levantado, particularmente sobre o impacto da Lei das Associações Públicas Profissionais (LAPP) e da consequente alteração aos Estatutos da Ordem dos Advogados (EOA).

A palavra advocacia aparece apenas três vezes, os ‘advogados’ merecem apenas 24 menções e as propostas concretas são apenas duas dezenas, apresentadas por apenas cinco forças políticas (CDU, Chega, BE, Livre e PAN). Algumas propostas, como as que visam as alterações introduzidas ou induzidas pela LAPP, são temas sobre os quais o Conselho Regional de Lisboa (CRLisboa) vem fazendo um amplo trabalho de esclarecimento e partilha de informação, sobretudo com os partidos com assento parlamentar, em defesa da dignidade da classe e da profissão.

Sobre os impactos da LAPP, a CDU defende a “preservação da natureza de interesse público relevante das profissões jurídicas, definindo e delimitando adequadamente as respetivas competências e atos próprios, enquadrando a advocacia de forma a garantir profissionalismo, qualidade na defesa de direitos e interesses legítimos e responsabilização na prática de atos de natureza jurídica”.

No mesmo sentido vão as propostas do PAN, que pretende “revisitar a alteração do Estatuto da Ordem dos Advogados por forma a proteger os princípios da independência e do segredo profissional, bem como a prática de atos próprios, assegurando-se a certeza e a segurança jurídica das populações”. Sobre o tema específico dos estágios obrigatórios e pagos, este partido também quer “criar, no âmbito da medida Estágios ATIVAR.PT, um regime especial aplicável aos estágios profissionais para o acesso e exercício da profissão de advogado destinado a sociedades e escritórios de menor dimensão e em termos que garantam a integração futura”.

A CDU propõe ainda a “regulação das relações de trabalho subordinado no exercício profissional da Advocacia, assegurando, em respeito pelos princípios deontológicos, a regulação da relação laboral existente e estes profissionais, sem interferência com o regime dos advogados de empresa”.

Sobre o eterno tema da tabela de honorários dos advogados afetos ao Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT), a CDU propõe o “aumento e a atualização anual do valor das remunerações devidas aos Advogados”, mas vai mais longe, propondo mesmo “medidas de investimento na qualidade do serviço prestado aos cidadãos nesse âmbito, designadamente com a criação de condições para acesso a formação contínua nas áreas de preferência manifestadas pelos advogados inscritos. Esta formação política também propõe que se equacionem “as condições de criação de um serviço público para a defesa oficiosa e o patrocínio judiciário”.

O BE quer concretizar uma “revisão da tabela de honorários dos profissionais afetos ao SADT,” prometendo que “bater-se-á pela urgente adoção de uma nova tabela de honorários (…), sustentada numa nova base de cálculo e alterando os montantes devidos pelos diferentes atos processuais praticados nesse contexto”. No mesmo sentido vai a proposta do Chega, que quer “atualizar a tabela de honorários do acesso ao Direito (sem revisão desde 2004)”, acrescentando que pretende também “assegurar o pagamento de despesas no âmbito da representação de beneficiários deste sistema e ainda um sistema de pagamento progressivo”.

Para o Livre, é essencial “melhorar o SADT”, o que passa, segundo a formação política, por “rever a tabela de honorários de advocacia, instituindo sistemas de pagamento a tempo e horas”, e pela implementação de “um sistema de avaliação do serviço prestado por advogados nomeados”. As propostas do PAN são semelhantes, pretendendo mesmo que a revisão geral da tabela de honorários seja “capaz de compensar os anos de congelamento ocorridos entre 2010 e 2020 e de assegurar a progressividade das retribuições em função da complexidade da causa”.

Mas a grande parte das preocupações dos partidos políticos manifestadas em propostas eleitorais são sobre o tema da proteção social dos advogados. A CDU avança com uma proposta ampla de “criação de um regime de proteção social dos advogados, integrado na Segurança Social (SSocial), que assegure o pagamento de pensões, mas também proteção social nas eventualidades de doença, maternidade, invalidez ou desemprego”. A formação política quer que este seja “um regime de contribuições adequado e sem que daí resultem para a Segurança Social encargos decorrentes de desequilíbrios financeiros atuais ou futuros da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS)”.

Defensores da integração da CPAS na Segurança Social são também o BE, o Livre e o PAN. O BE considera que “milhares de advogados e advogadas continuam sem proteção social, o que, aliás, ficou bem patente durante a pandemia”, defendendo que a integração da CPAS na Segurança Social deve ser feita com “a garantia de que quem descontou durante toda uma vida para a CPAS não é prejudicado”.

O Livre quer “reforçar a proteção social em caso de doença, incapacidade ou velhice para advogados e solicitadores, integrando o sistema contributivo específico destas profissões no regime geral e mais garantístico da Segurança Social”, e o PAN defende que é preciso “assegurar aos/às advogados/as, solicitadores/as e agentes de execução a possibilidade de escolha entre o regime da CPAS e a Segurança Social”, admitindo avançar para a integração.

Já o Chega quer “permitir a escolha entre a inscrição na CPAS e o regime da Segurança Social” e avança com propostas concretas imediatas para que seja possível “assegurar a suspensão dos prazos em caso de morte de filho, assim como garantir apoios em caso de doença grave ou prolongada” e/ou “garantir às mães com bebés recém-nascidos (até aos 4 meses) a possibilidade de proceder ao adiamento das diligências”.

Este é já um conjunto considerável de propostas, mas para as quais agora é preciso ação, e é isso que esperamos do próximo ciclo político.

João Massano, presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados