Por questões profissionais, acompanhei excecionalmente e pela primeira vez esta semana uma cliente – já agora, médica – ao serviço de verificação de situações de doença, neste caso de Lisboa, mais concretamente na Avenida 5 de Outubro.

Ali chegada, deparei-me com uma dezena de pessoas à espera que a porta se abrisse, sendo possível perceber que, entre elas, algumas estariam a fazer quimioterapia e outras com claros problemas de mobilidade, não existindo qualquer apoio para as mesmas. A lógica parece ser que quem não aguenta a espera senta-se no chão até às portas abrirem, dando um espelho de total indignidade numa das principais artérias do país. Estamos tantas vezes preocupados com a imagem que damos aos turistas, mas parecemos achar normal este tipo de situações.

Uma vez transposta a porta, após uma alegada chamada por hora de agendamento, as pessoas que, pelo menos alegadamente, estão doentes, são encaminhadas para umas filas de cadeiras, onde devem permanecer sentadas até a sua senha surgir no ecrã, com a indicação do gabinete onde se devem dirigir.

Tudo feito de uma forma absolutamente impessoal e desconsiderando até que, atrás de uma situação de baixa, podem estar diversíssimas patologias.

O que resulta muito mais surreal é que, sendo o objetivo das ditas juntas avaliar a situação clínica dos designados beneficiários, não apenas se desconhece a especialidade dos médicos que as compõem, como os mesmos não dispõem de grandes meios de diagnóstico, para além de umas, tão novas quanto ilegais, guidelines da Segurança Social. Dito de outra forma, as atuais Juntas Médicas tratam de transpor para os beneficiários a obrigação de demonstrar que estão doentes – quando a sua missão é avaliarem por si se a doença existe –, da mesma forma que médicos, deontologicamente obrigados a terem autonomia técnica, aceitam passar a obedecer a prazos médios de recuperação cuja autoria é desconhecida.

A título de mero exemplo, consta que as ditas linhas orientadoras determinam que o lapso de tempo necessário para se tratar uma depressão são seis meses, o que não tem qualquer apoio num estudo científico ou de outra natureza. Nestes termos, se uma pessoa se curar antes, não verá a baixa revogada por uma junta, mas, pelo contrário, a probabilidade de, não estando curada nesse prazo, ser dada como apta é muito elevada. Ou seja, de uma avaliação médica, que é o que está legalmente previsto, passou-se para ter que ser o cidadão a levar os elementos que demonstrem que está doente e, mesmo assim, uma vez decorrido um dado prazo, quer esteja doente ou não, é dado como apto.

Se tudo isto já era grave o suficiente, na medida em que as ditas juntas não cumprem o seu desiderato, a experiência sociológica que a minha profissão me obrigou a fazer fez-me chegar à conclusão de que se viam mais polícias e seguranças dentro daquelas instalações do que funcionários. Vivemos, portanto, num país onde se foge facilmente de cadeias de alta segurança, mas em que o verdadeiro crime é reclamar de uma decisão de uma junta médica, as mais das vezes compostas por médicos que nem se dignaram a olhar para a cara das pessoas, quanto mais as avaliaram a sério.

Muitos dirão que há demasiadas baixas fraudulentas e que a fiscalização deve ser a doer. Do que não se apercebem é que são justamente os que se abusam que têm mais facilidade em passar numa junta que, em vez de médicos, é composta por meros burocratas, sentados numa secretária.

O que parece, portanto, certo – e não é preciso ser um génio para perceber isso – é que o atual sistema não serve a ninguém. Nem para apanhar os que enganam nem, principalmente, para proteger o que estão de facto doentes.