Dos mundos imaginários
Nos anos 50 e 60 do século XX, a conquista do espaço estimulou uma vaga de interesse popular pela ficção científica. “O Homem Ilustrado”, de Ray Bradbury, é uma obra-prima da ficção científica. Esta nova publicação chega pela mão da Cavalo de Ferro.
A ficção científica é comum na moderna indústria de entretenimento, mas houve uma época em que serviu para inventar mundos imaginários que hoje nos parecem familiares. As histórias envolviam foguetões e planetas, exploradores e astronautas (ou cosmonautas, se o livro fosse soviético).
Os americanos publicavam novelas em fascículos, em revistas da especialidade, por exemplo a Amazing Stories. Desde Júlio Verne que, neste género, as narrativas andavam bem acompanhadas de imagens. Os autores eram pagos à peça e produziam grandes quantidades. A partir dos anos 60, em Portugal, existiu uma colecção de livrinhos sobre o futuro, a “Argonauta”, cuja primeira centena se encontra nos alfarrabistas a preços exorbitantes.
Muitos livros da ficção científica clássica são hoje lidos com um sorriso, pela ingenuidade dos enredos ou os erros científicos, mas também havia obras-primas. É o caso deste “O Homem Ilustrado”, de Ray Bradbury, que a geração anterior leu na Argonauta n.º 18 e a geração actual pode encontrar neste volume. O livro é uma colecção de contos. Um dos textos é o embrião da novela mais famosa do autor, “Farenheit 451”, adaptada ao cinema em 1966 por François Truffaut.
A ficção científica é, no fundo, uma forma de literatura de ideias e estas tendem a ser reutilizadas. “A Chuva Dourada” ou “Marionetas SA” são dois exemplos de contos deste volume que o cinema usou: a chuva permanente que enlouquece os homens, o autómato com inteligência artificial que pode substituir um ser humano. Bradbury era brilhante nos diálogos e trabalhou em Hollywood, tendo concebido a ideia de um filme muito copiado, “It Came From Outer Space”, em que os extraterrestres podem assimilar humanos.
Em “O Homem Ilustrado”, publicado em 1951, Bradbury explorou os temas da xenofobia, da censura e dos limites da tecnologia. A extensa obra é abundante em personagens que colocam em dúvida os benefícios materiais do progresso. Neste livro estão reunidas 18 histórias com o tema geral do impacto da tecnologia. Há aqui muita imaginação que lembra os enredos de uma série de televisão mítica, “The Twilight Zone”, “A Quinta Dimensão”, na qual um dos mais famosos episódios, “I Sing The Body Electric” (a partir de um poema de Walt Whitman), foi assinado pelo mestre da fantasia.
Tudo isto tem 70 anos, mas continua actual. Os contos estão escritos em estruturas irrepreensíveis, com ritmo, personagens definidas e finais surpreendentes. Ray Bradbury tinha outro talento, o lirismo da sua prosa – esse mais raro entre os autores que escreviam num género então confinado à cultura popular.