Uma das grandes perplexidades da nossa era política reside na dificuldade em compreender por que razão esta eleição continua tão disputada. Do ponto de vista europeu, e em particular do português, parece incompreensível que Donald Trump – um candidato frequentemente qualificado como arrogante, desonesto, incoerente e, por vezes, bizarro – esteja tão próximo de um regresso à Casa Branca. Isto torna-se ainda mais intrigante considerando que a esmagadora maioria dos membros da sua administração entre 2016 e 2020 o rejeita, utilizando epítetos como “inapto”, “perigoso para a democracia”, “ameaça à nação”, “instável” ou “ignorante” para descrever a sua atuação. Há, sem dúvida, múltiplas razões para tal fenómeno, umas mais compreensíveis do que outras. No entanto, a poucas semanas das eleições, o cenário permanece incerto, com as sondagens a indicarem um verdadeiro empate técnico.

Em qualquer eleição, a escolha recai sobre as opções disponíveis e, neste momento, o partido no poder em Washington enfrenta um índice de impopularidade considerável. Joe Biden mantém-se com taxas de desaprovação elevadas e a sua administração, de que Kamala Harris faz parte, encontra-se profundamente impopular em amplos setores da população, especialmente nos decisivos swing states.

Outro aspeto crucial a considerar é que a América de hoje é mais conservadora do que era há uma década e as políticas republicanas encontram maior ressonância entre a população do que as promovidas pelos democratas. Para agravar a situação dos democratas, nas questões que os eleitores consideram centrais para esta eleição – a economia e a imigração – as ideias conservadoras têm ampla aceitação, enquanto a maioria critica severamente as abordagens mais à esquerda. Não surpreende, portanto, que Kamala Harris se tenha visto forçada, durante a campanha, a justificar mudanças em posições previamente assumidas, numa tentativa desesperada de ser percecionada como mais moderada do que o histórico da sua carreira política sugere.

As posições mais radicais de alguns membros do Partido Democrata, enquadradas no fenómeno atualmente designado como wokism, também têm obrigado Kamala a adotar uma postura defensiva em diversas questões. Isto foi evidente na entrevista desta semana à Fox News, onde teve de clarificar o seu apoio à transição de género em prisões americanas. Como reflexo deste clima polarizado, pela primeira vez desde o pós-11 de setembro, há mais americanos a identificarem-se como republicanos do que democratas.

Contudo, mesmo num ambiente favorável ao Partido Republicano, é importante explicar por que motivo Trump se mantém competitivo, apesar do seu comportamento idiossincrático e das suas declarações muitas vezes absurdas.

Trump afirmou, certa vez, que poderia matar alguém na Quinta Avenida, em Nova Iorque, e os seus apoiantes continuariam ao seu lado. Esta afirmação, por mais exagerada que pareça, contém uma verdade essencial: cerca de 45% dos americanos votarão em Trump, independentemente da sua conduta pública. Este número, por si só, não é suficiente, porém, para garantir a vitória, nem sequer para manter a corrida renhida.

É aqui que entra a estratégia da própria campanha republicana, que procura diferenciar-se das excentricidades públicas de Trump. Existe atualmente, nos estados decisivos, um verdadeiro exército de apoiantes e profissionais a trabalhar diretamente com os eleitores, em particular com o eleitorado mais conservador que não simpatiza com Trump. A mensagem é simples: mesmo que reprovem a sua personalidade, comparem as suas políticas com as da administração Biden-Harris.

“Compare a América de Biden e Kamala em 2024 com a de Trump em 2020. Qual prefere?” A esta pergunta muitos eleitores da Pensilvânia, Arizona ou Geórgia estão a responder a favor de Trump. Além disso, um número crescente de eleitores negros e latinos está a alinhar-se com as políticas republicanas.

Assim, a eleição parece estar a ser decidida entre os sectores conservadores moderados, e é precisamente nestes eleitores que tanto Kamala como Trump estão a centrar as suas atenções. Claro que há outro fator relevante para a competitividade do antigo presidente: Kamala Harris e o processo de nomeação democrata. Mas esse tema ficará para outro artigo.

Especialista em política norte-americana