A necessidade de dotar os tribunais de uma ferramenta que permita a organização, análise e apresentação da prova, sobretudo nos megaprocessos, motivou António Gomes (Juiz de Direito), Ernesto José Ribeiro de Sousa (Agente Principal da PSP) e António Soares da Costa (engenheiro informático e Agente Principal da PSP), a criarem o SIIP – Sistema Integrado de Informação Processual. Trata-se de uma plataforma para ambiente webrowser destinada a auxiliar os juízes na tarefa de organização da documentação em processo penal, podendo também ser utilizado em processo civil. Esta ferramenta surgiu durante o julgamento do caso Fase Oculta em que António Gomes foi juiz de julgamento.

Este mesmo programa informático estará à disposição dos juízes do julgamento do caso BES/GES que se inicia a 28 de maio. A novidade, neste caso, é que o coletivo contará em permanência com uma equipa de apoio, constituída por magistrados e oficiais de justiça especializados no jurídico e no digital.

Conforme explicou ao NOVO o juiz desembargador João Ferreira, que integra, no Conselho Superior da Magistratura (CSM), o GATEP – Grupo de Apoio à Tramitação Eletrónica de Processos –  a procura de um documento entre milhares de folhas de um mega processo pode demorar várias horas. Os magistrados, acrescentou, além de pensar o direito – valoração da prova e decisão – têm também de pensar a logística. Com o SIIP – criado por quem conhece as necessidades – todos os documentos ficam à distância de um clique.

Segundo informações recolhidas pelo NOVO, em janeiro de 2019 foi celebrado um protocolo entre o CSM e os criadores   para utilização gratuita pelos juízes portugueses do programa SIIP, embora só no ano de 2020, com o projeto já desenvolvido, tenha entrado definitivamente nos tribunais portugueses.

Não é a primeira vez que nascem programas informáticos por  iniciativa de quem trabalha no judiciário e conhece os seus problemas. Aconteceu, por exemplo, nos anos 90 do século passado, com o programa Habilus, para gestão processual dos tribunais, criado por uma equipa de oficiais de justiça sediada em Coimbra, chefiada, por “carolice”, por António Sardinha. Com o programa já a funcionar, o poder político, durante o primeiro Governo de José Sócrates, decidiu retirar a gestão do Habilus aos oficiais de justiça para a entregar a empresas privadas com a justificação de que teria de se melhorar a eficácia do programa. Para se alcançar o tal upgrade, gastaram-se milhões de euros na adjudicação de contratos com empresas de informática. Os oficiais de justiça, que trabalharam por carolice, foram arrumados, embora tenha depois surgido o atual Citius, que é o desenvolvimento do Habilus, ficando sem se perceber em que foram gastos tantos milhões de euros.

Os operadores judiciários voltam a ser, na atualidade, os criativos de ferramentas informáticas para os tribunais, mas também, mais uma vez, há milhões de euros envolvidos através do PRR que no setor da justiça está orientado para o investimento em novas tecnologias. Até 31 de dezembro de 2025 vão surgir, seguramente, muitas aplicações.  Entretanto, nos meandros do judiciário apela-se para que o Ministério da Justiça não repita os erros do Habilus e mantenha os operadores judiciários envolvidos nos novos projetos para que o resultado sirva, de facto, as necessidades do setor.