Foram não sei quantos debates entre os principais líderes partidários, a que se somou um grande debate entre os dois principais candidatos a ocupar o lugar de primeiro-ministro, isto para não contar com as entrevistas que todos já deram, a título individual.

Foram, por isso, horas e horas de conversa e debate e apresentação de ideias para merecer o voto dos portugueses. E em nenhuma dessas longas horas, em nenhum desses debates ou entrevistas, nem mesmo no grande debate de supostos candidatos a primeiro-ministro, alguém ousou perguntar, ou sequer falar, sobre o mundo e sobre os seus riscos e desafios. É como se vivêssemos numa redoma, alheados de tudo e todos, reis e senhores do nosso território, imunes a essas minudências da geopolítica ou da economia global.

O que têm os líderes políticos a dizer da enorme crise demográfica que assola a Europa, uma crise caracterizada pelo envelhecimento da população e baixas taxas de natalidade? Isso tem implicações significativas para a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, de saúde e do crescimento económico a longo prazo. Como resolvemos isto?

O que têm os líderes políticos a dizer da instabilidade financeira e da volatilidade nos mercados financeiros globais? Que riscos corremos e, logo nós, que já levámos com várias intervenções externas, como é que nos protegemos e acautelamos? E de que forma o crescimento que se promete e a distribuição de riqueza que se anuncia são impactados por esta instabilidade?

O que têm os líderes políticos a dizer do aumento das tensões comerciais entre as principais economias, como os EUA e a China? Que impacto terão as tarifas retaliatórias e medidas protecionistas e como deve posicionar-se a Europa no meio de tudo isto? Como lidar com a perda significativa de competitividade da Europa em relação à China e aos EUA? E se Trump for eleito, como é? As políticas imprevisíveis e unilateralistas adotadas durante o seu mandato, como a retirada de acordos internacionais e o aumento das tarifas comerciais, podem ter consequências significativas? E quanto à China, como é que os nossos candidatos a primeiro-ministro planeiam responder à crescente influência da China em áreas como o comércio, cibersegurança e direitos humanos?

O que têm os líderes políticos a dizer das aspirações russas? Até parece que não há uma guerra entre nós. Até parece que não está demonstrada a interferência russa em eleições democráticas e na desinformação online, como se isso não representasse qualquer desafio significativo para a Europa. E estamos defendidos enquanto existir NATO, ou a ascensão de Trump até isso nos pode tirar? A relação transatlântica entre a Europa e os Estados Unidos é fundamental para a segurança e a estabilidade globais, mas até parece que Trump anda calado sobre o assunto. O que têm os líderes políticos a dizer do poder dos gigantes da tecnologia e como podem relacionar-se com eles e aprovar regulação inteligente que atue contra estas aspirações russas no espaço online?

O que têm os líderes políticos a dizer do ressurgimento do nacionalismo e do populismo em toda a Europa? E sobre o desafio migratório, que é global e não apenas local ou nacional e que representa uma ameaça ao projeto de integração europeia e aos valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos? No entanto, durante a campanha eleitoral, tem havido uma falta de debate sobre como combater eficazmente essas tendências divisivas e promover a coesão e a solidariedade dentro da UE. Os eleitores merecem propostas políticas claras sobre como os líderes europeus planeiam enfrentar o nacionalismo, fortalecer as instituições democráticas e promover uma visão inclusiva e progressista para o futuro da Europa.

O que têm os líderes políticos a dizer das transformações que a economia digital provoca na forma como trabalhamos, vivemos e produzimos? Como nos formamos, como acompanhamos o passo, como garantimos que continua a ser criado emprego, como usar a economia digital a favor da resolução dos nossos principais desafios? E quem fala da transição digital fala da transição energética: os impactos das mudanças climáticas, como desastres naturais ou a escassez de recursos naturais, representam riscos significativos.

Nada disto foi tema, ninguém quis perguntar sobre nada disto, ninguém quis falar sobre isto tudo, assumindo que nenhum de nós tem paciência para pensar sobre isto. O que equivale a dizer que a comunicação social, que se arroga poder e ter um dever, rapidamente se esquece desse estatuto para não perguntar o que efetivamente pode mudar nas nossas vidas. E equivale a dizer que os líderes políticos se remetem a deixar de fora dos seus discursos, propostas e preocupações o que verdadeiramente está em causa nos próximos anos.

Depois admiramo-nos que somos sempre apanhados de surpresa por uma crise ou desafio. Pudera: nem nos demos ao trabalho de olhar para lá das nossas fronteiras…

Advogado

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 24 de fevereiro