“Que sou eu, se não posso alcançar, afinal,
A coroa com louros da nossa humanidade,
A que todos almejam com tanta ansiedade?”
Fausto – Goethe

Calhou-me em sorte escrever na última semana da edição escrita deste semanário. Não sendo uma despedida, fica sempre a sensação de que a imprensa escrita, nos moldes em que a conhecemos, está em manifesta crise e que parecemos ainda não perceber a importância de uma comunicação social livre. Aos que agora saem, resta-me agradecer a forma como fui recebida e desejar que o futuro a todos seja risonho. Aos que ficam, cá estaremos “enquanto houver estrada para andar”, esperando nunca chegar ao sinal de trânsito proibido.

Escrevo estas linhas ao som do anúncio da eleição, à quarta tentativa, do presidente do Parlamento, o que alimentou horas de comentário político mas em nada contribuiu para a melhoria das condições de vida em Portugal.

Não tenho hoje, como não tenho há muito, grandes expectativas para esta legislatura. Independentemente de perceber que a mesma pressuporá sempre acordos pontuais, o que resulta para mim claro é que a atual composição não tem como durar muito se os partidos para os quais a palavra dada ainda conta não se unirem.

Aceitar compromissos com quem admite sacrificar qualquer valor para a sua promoção é jogar o mesmo tipo de jogo e ser vencido pela experiência do interlocutor. Diga-se o que se disser e independentemente das motivações de cada um dos partidos, se existiu um qualquer entendimento e se um deles decide quebrá-lo, o mais basilar dos princípios determina que se avise da sua quebra. Não foi o que sucedeu, como todos percebemos depois.

Contudo, importa que se refira também que todos estes eventos são um mero fait-divers para o que se adivinha vir aí – e cujas vítimas seremos nós.

Um país, seja ele qual for, não se governa com truques, gritarias e hooliganismo, de quem nunca teve uma ideia estruturada e se limita a navegar oportunisticamente, ao sabor do que pensa que, a cada momento, o hit do momento possa exigir. Mas também não se governa com quem se manteve na beira do muro, estendendo a mão na sombra ao Diabo e sendo por ele atraiçoado.

Do que todos precisamos é de serviços públicos a funcionar, da Justiça a trabalhar, do SNS a dar pronta resposta. Acima de tudo, do que precisamos é de valores, princípios inquebráveis e uma firme vontade de fazer por nós em vez de para si mesmos.

Esperemos que, finalmente, se perceba que quem aceita dançar com o Diabo acaba, na melhor das hipóteses, queimado. Na pior, para os que ainda a tenham, a contrapartida sempre foi vender a Alma – e de gente sem alma está aquele Parlamento cada vez mais cheio.

Advogada

Artigo publicado na edição do NOVO de sexta-feira, dia 29 de março