A campanha para escolher o sucessor de António Costa tem sido centrada na política de alianças mas, nas moções de estratégia, os candidatos definem as prioridades e lançam algumas soluções para os maiores problemas do país como a saúde, habitação, salários baixos ou o fraco crescimento económico. São mais de 200 páginas, ao todo, que ajudam a perceber as diferenças entre os candidatos. As eleições são já nos dias 15 e 16.

Geringonça
Pedro Nuno Santos já assumiu a disponibilidade para uma nova geringonça, mas a moção de estratégia é omissa em relação à política de alianças. O candidato defende, porém, que esse é um legado que “deve ser protegido”. Na moção intitulada Portugal Inteiro, o candidato defende que a aliança com os partidos de esquerda, em 2015, “não limitou a atuação do PS, pelo contrário, aumentou o seu espaço estratégico de intervenção e garantiu-lhe, sim, o lugar de partido central” no sistema político, “Este é um legado do ciclo de liderança de António Costa que deve ser protegido”, conclui.

Dialogar com o PSD e afastar o Chega
José Luís Carneiro mostra-se disponível para promover “entendimentos tanto à esquerda como à sua direita, buscando consensos alargados em áreas estratégicas para o desenvolvimento da democracia e do país”. Na moção intitulada Por Todos, para Todos, José Luís Carneiro garante que “o PS constituirá sempre um obstáculo à ascensão da extrema-direita”, ou seja, não exclui a possibilidade de viabilizar um governo liderado pelo PSD. Daniel Adrião defende que, se o PS vencer sem maioria absoluta, deve “procurar acordos de regime” para governar com estabilidade. Mas, se perder as eleições e existir uma maioria de direita, “deve estar disponível para negociar” e impedir que um eventual governo liderado pelo PSD fique “refém dos ditames populistas e perigosos do Chega”.

Contas certas

Pedro Nuno Santos reconhece que o país “continuará obrigado nos próximos anos a reduzir a dívida”, mas defende uma estratégia diferente daquela que foi aplicada por António Costa e Fernando Medina, apoiante de José Luís Carneiro. Na moção de orientação política, o candidato escreve que a “descida da dívida é essencial, mas ela não pode ser vista como uma prioridade isolada, necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objetivos e necessidades que o país enfrenta. Uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental de que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas”. Para Pedro Nuno Santos, o próximo governo deve “encontrar o equilíbrio adequado entre a prossecução da estratégia de redução da dívida pública, os objetivos de crescimento económico, de investimento público e de transformação do Estado”.

Garantir o equilíbrio orçamental

José Luís Carneiro defende a continuidade da política das contas certas. Ao contrário de Pedro Nuno Santos, o candidato da ala moderada considera que “continuará a ser possível garantir o equilíbrio orçamental sem pôr em causa o crescimento e o investimento e assim reduzir o peso da dívida pública”. Carneiro entende que, num cenário de incerteza internacional, é necessário garantir um “porto seguro” para a economia portuguesa. “Não compreender a necessidade de reduzir a dívida pública é não compreender o risco que recai sobre a economia portuguesa, sobre as empresas e sobre as famílias”, avisa.

Empresas

Pedro Nuno Santos garante que as suas prioridades “assentam num grande objetivo que é desenvolver a nossa economia”. Apostar “no investimento na ciência e investigação e na transferência desse conhecimento para as empresas” e criar condições para que as empresas possam “produzir mais e melhor” foram objetivos traçados pelo candidato. Na moção de estratégia, Pedro Nuno defende que “não é possível uma economia transformar-se sem um crescimento sustentado da produtividade, ela própria dependente da incorporação de tecnologia e de conhecimento nas atividades produtivas”.

Apoiar as PME

José Luís Carneiro compromete-se com a criação de um programa para apoiar as pequenas e médias empresas com o objetivo de “promover a melhoria das condições de financiamento e da tesouraria”. O candidato promete simplificar “os processos burocráticos para empresas” e rever “a arquitetura de incentivos fiscais para novos investimentos e startups”. A moção de Carneiro refere ainda a necessidade de “promover o investimento estrangeiro, garantindo um ambiente regulatório estável e previsível”.

Salários mais altos

Apostar no crescimento económico e no aumento dos salários em geral é um objetivo de todas as candidaturas. Pedro Nuno Santos refere várias vezes na moção a necessidade de pagar melhores salários e travar a emigração dos jovens qualificados. O candidato defende que “só uma transformação do perfil produtivo da economia nacional permitirá às nossas empresas pagar salários mais elevados e capacidade para oferecer oportunidades atrativas para os nossos jovens qualificados”. Ou seja, o país “tem de intensificar a sofisticação e complexidade dos bens e serviços produzidos”, porque é necessário que as exportações “ganhem uma maior intensidade tecnológica”.

Salário mínimo  superior a mil euros

José Luís Carneiro também assume a meta de pagar melhores salários com “uma base económica diversificada, assente na inovação e no conhecimento”. O candidato promete criar o programa Mais PME, para apoiar as pequenas e médias empresas. Carneiro promete também “fixar as metas adequadas para, em sede de concertação social, reduzir o diferencial face ao salário mínimo praticado em Espanha, ao longo dos próximos quatro anos”, o que corresponde a 1.080 euros. Já Daniel Adrião defende que Portugal “só conseguirá pagar melhores salários, reter e atrair talento, se conseguir transformar o seu paradigma económico”. O dirigente do PS defende “uma economia capaz de produzir bens e serviços com alta incorporação de valor e empresas com a capacidade de dominar as cadeias de valor”.

Compromisso com a saúde

José Luís Carneiro defende um Compromisso Plurianual para a Saúde. A ideia é celebrar um pacto com os agentes e profissionais do sector “contendo uma programação do investimento em infraestruturas e equipamentos, dignificação profissional, designadamente de valorização da investigação, da formação e da transmissão de conhecimentos”. O candidato promete mais investimento na “formação de médicos, quer através do aumento de vagas nas faculdades de medicina, quer no reforço das capacidades formativas e das vagas de acesso às especialidades médicas”. Para “garantir o reforço de 50% na capacidade de consultas, cirurgias e exames de diagnóstico”, Carneiro propõe promover “um acordo com as instituições do sector social”.

Clarificar a relação  com os privados

Pedro Nuno Santos aposta em “seis eixos fundamentais” para melhorar o Serviço Nacional de Saúde: valorizar os profissionais de saúde, equacionar a criação de uma rede de atendimento permanente, dotar progressivamente os centros de saúde de mais meios de diagnóstico, investir na capacidade tecnológica do SNS, incentivar hábitos mais saudáveis e clarificar a relação com os privados. O candidato pretende, se vencer as eleições internas e legislativas, “clarificar os critérios” em relação à participação dos privados no sistema nacional de saúde. Já a moção de Daniel Adrião defende que “a saúde tem de ser a prioridade das prioridades” e promete oferecer “uma remuneração justa e atrativa” aos médicos.

Função pública

Pedro Nuno compromete-se com a recuperação faseada do tempo de serviço congelado de todos os funcionários públicos, nomeadamente dos professores. O candidato entende que essa é uma condição para atrair para a administração pública pessoas qualificadas. Na moção de estratégia, Pedro Nuno promete ainda “adotar modelos inovadores de gestão organizativa, designadamente através da criação e reforço de vários tipos de serviços partilhados”, e “reduzir a excessiva dependência do sector público face ao fornecimento externo de serviços e de bens”.

Serviços públicos rejuvenescidos

José Luís Carneiro não se compromete com a recuperação do tempo de serviço dos professores, mas garante que vai apostar em “valorizar” e “rejuvenescer a Administração Pública” para que “os serviços públicos disponham de profissionais tecnicamente capazes”. A transformação digital e a simplificação são outras das apostas.

Pacto nacional para a habitação

José Luís Carneiro propõe um pacto nacional para a habitação com o objetivo de “aumentar muito significativamente o parque público de habitação acessível”. O candidato promete incentivos para a construção e reabilitação, pelos sectores privado e cooperativo, nos casos em que os imóveis se destinem a habitação a custos controlados. A ideia é dar “prioridade à construção a partir de soluções com preparação industrial, como a construção modular ou soluções pré-fabricadas, com privilégio das soluções ambientalmente mais sustentáveis”. Carneiro promete ainda dar “especial prioridade” aos apoios destinados às cooperativas de habitação.

Meio milhão de casas

Pedro Nuno Santos também promete aumentar a oferta pública de habitação. O candidato, que teve responsabilidades nesta área, reafirma o compromisso do governo de entregar “mais de 30 mil casas até 2026” e garante que vai criar “condições para que o sector privado construa habitação compatível com os rendimentos das famílias”. Revitalizar “modelos de cooperação” e “concretizar a reabilitação de todo o património público” são outras das soluções apresentadas por Pedro Nuno Santos para enfrentar a crise na habitação. Já Daniel Adrião defende “um pacto de regime para a habitação que envolva todas as forças políticas”. A ideia é criar condições para que, nos próximos dez anos, “a iniciativa privada, cooperativa e pública” possa implementar, de forma concertada, um programa para construir e recuperar meio milhão de casas.

Justiça  e megaprocessos

José Luís Carneiro está disponível para dialogar com o PSD com o objetivo de avançar com a reforma da justiça. O candidato propõe rever as “regras sobre conexão de processos” para evitar os “megaprocessos que tendem a eternizar-se”. Através do compromisso para a justiça, Carneiro pretende prevenir e combater “a criminalidade, especialmente nas suas formas mais complexas – a criminalidade económico-financeira, o flagelo da corrupção e crimes conexos, a fraude, a evasão fiscal e o planeamento fiscal agressivo”. A especialização dos tribunais, rever os prazos judiciais e reduzir as tarefas burocráticas dos operadores da justiça são outras das medidas para promover uma justiça mais célere. Carneiro promete ter em conta que “o funcionamento da justiça tem implicações importantes na atividade económica”.

Rever as custas judiciais

Pedro Nuno Santos defende que deve ser feita uma avaliação e revisão do “modelo de acesso ao direito e à justiça, seja ao nível da disponibilidade e da qualidade do sistema de patrocínio judiciário, seja ao nível das custas judiciais”. O ex-ministro socialista quer ainda avançar com “um programa nacional de expansão dos julgados de paz, aproveitando as sinergias com as comunidades intermunicipais, os municípios, acompanhado da ampliação dos meios digitais à resolução alternativa de litígios”. Daniel Adrião define como prioridade o combate à corrupção.

Regionalização

Todos os candidatos são a favor de uma nova consulta popular sobre a regionalização. A moção de José Luís Carneiro defende que “o PS deve suscitar e liderar um amplo debate nacional, com vista a uma pronúncia quanto à convocação de um novo referendo nacional sobre a regionalização, ao respetivo modelo territorial e à natureza das atribuições a conferir às regiões administrativas em caso de criação”.

Um amplo consenso

Pedro Nuno Santos também já assumiu o compromisso de realizar um novo referendo sobre a regionalização. Na moção, o candidato defende “a regionalização alicerçada num amplo consenso político e social e a descentralização, como formas de criar e reforçar níveis intermédios”. Na apresentação da moção, Pedro Nuno assumiu “um compromisso claro” com a realização de uma nova consulta popular. Daniel Adrião defende que “o dossiê da regionalização merece sempre ser reaberto e discutido com vista a uma verdadeira descentralização”.

Mudar o sistema eleitoral

A prioridade da candidatura de Daniel Adrião é avançar com a reforma do sistema eleitoral. A moção do candidato, intitulada Democracia Plena, lamenta que os portugueses só possam escolher o partido em quem votam e reclama que os eleitores possam “votar diretamente no seu representante e eleger diretamente o seu deputado”. Na prática, o candidato propõe a “introdução do voto preferencial e nominal”.

Melhorar a ligação entre eleitos e eleitores

José Luís Carneiro compromete-se a apresentar, nos primeiros seis meses da legislatura, ou seja, antes do final de 2024, propostas para avançar com a reforma do sistema eleitoral, para melhorar a ligação entre eleitos e eleitores. Carneiro promete ainda avançar com a “reforma do sistema de governo das autarquias, na sequência da descentralização de competências”. Já Pedro Nuno Santos entende que o sistema político português tem contribuído para superar “momentos de crise”, mas promete “insistir no aprofundamento da qualidade das instituições e dos processos de tomada de decisão, preservando a sua integridade e assegurando a sua transparência”.

Este artigo foi publicado na edição do NOVO de sábado, dia 9 de dezembro