Tarde e a más horas, após a publicação do Relatório Anual de Atividades do Ministério Público e depois de uma entrevista televisiva (também a única no mandato), a sua responsável máxima, a Procuradora-Geral da República, “acedeu” – pela primeira vez no seu longo consulado de seis anos – a prestar esclarecimentos aos representantes do povo, na Assembleia da República.
Mais do que comentários, mais ou menos, devassadores relativamente a casos concretos, as constitucionalmente garantidas competências de exercício da ação penal e defesa da legalidade, conferem a esta Magistratura um poder e, acima de tudo, uma responsabilidade, ímpares no atual quadro jurídico-constitucional.
Num Estado de Direito Democrático, depois de umas “trevas” – a que ninguém quer voltar – de uns longos quarenta e oito anos em que os mais básicos e elementares direitos, liberdades e garantias dos cidadãos eram regular e grosseiramente violados, todos devem estar sujeitos ao escrutínio democrático, e, consequentemente, ninguém poderá atuar acima ou à margem da lei.
O princípio da separação de poderes deverá ser respeitado “religiosamente”, contudo, nem separação significa independência (os três devem cooperar), como o equilíbrio deverá ser sustentado (à imagem do estabelecido por Montesquieu em pleno Século XVIII) no “sistema de freios e contrapesos” que evite a supremacia de algum em detrimento de outros.
Nesse sentido, porque falamos da (eventual) limitação dos mais fundamentais direitos dos cidadãos, a transparência, a humildade, a proporcionalidade, e, mais do que tudo, o respeito pelos seus concidadãos deverão ser eixos fulcrais da atuação não só da PGR ou da Magistratura que dirige, como de todos os agentes da Justiça, sem exceção.
Em final de mandato, logo momento propício a balanços, mais do que a pura (muitas vezes merecida) crítica pessoal é importante identificar o perfil de sucessão – defensor intransigente do Estado de Direito Democrático, bom comunicador, mas, acima de tudo, não corporativo ou dependente de qualquer agenda mais ou menos oculta – todavia, evitando a desresponsabilização habitual do poder político.
É ao poder político – e não só ao Governo, ainda para mais sustentado numa maioria relativa no Parlamento – quem compete definir e legislar sobre Justiça e sobre política criminal em particular.
Poder político esse que – e bem – é regularmente avaliado pelos seus concidadãos em eleições livres, justas e democráticas.
De uma vez por todas urge acabar com a habitual desresponsabilização política nesta matéria, a bem de todos nós e da mais elementar cultura democrática que queremos manter e fortalecer no nosso país.