Vai acontecer pela primeira vez nos tribunais e a experiência será realizada no julgamento daquele que é considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa: o caso BES/GES cuja acusação conta mais de 4500 páginas. Em todas as sessões uma equipa de dois magistrados e de quatro oficiais de justiça, munida de ferramentas informáticas avançadas, vai estar em permanência a dar apoio ao coletivo de juízes, tendo a capacidade de, em poucos segundos, selecionar e entregar todos os documentos solicitados no desenrolar das sessões. A equipa intitulada Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade (ALTEC) foi aprovada pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) na passada quarta-feira, dando assim, suporte legal ao back office do julgamento.
“Em vez de começarmos com um processo pequeno para aquecer começamos logo com o mais pesado”, contou ao NOVO o juiz desembargador João Ferreira que integra, com mais três magistrados, o GATEP – Grupo de Apoio à Tramitação Eletrónica de Processos [ver coluna na página ao lado]. Esta estrutura criada pelo CSM a 30 de maio de 2023, com o impulso do atual vice-presidente Luís Azevedo Mendes, tem como missão “trabalhar as novas tecnologias aplicadas à tramitação processual de forma a melhorar as condições de trabalho dos juízes no dia a dia”, explicou o magistrado do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
Estando especialmente vocacionado para a definição, criação e gestão de aplicações digitais direcionadas para a atividade judiciária, e estando incumbido de dar formação aos juízes que aplicam nos tribunais as novas tecnologias, o GATEP viu bater-lhe à porta, em novembro, a juíza que vai presidir ao coletivo do julgamento do caso BES/GES que é tão só o maior processo da história judiciária nacional. A acusação tem mais de 4500 páginas, agregando 242 inquéritos e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, os arguidos são 25, entre os quais três estrangeiros, contando-se também 124 assistentes. Em julgamento vão estar prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros, envolvendo crimes de associação criminosa, branqueamento de capitais e corrupção, com destaque para Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes.
Tratando-se de um processo de especial complexidade, a juíza Helena Susano perguntou no CSM se havia a ideia de quantos anos poderá durar um julgamento com aquela dimensão. A resposta, segundo João Ferreira, foi que poderá ser muito rápido se o coletivo estiver focado apenas naquilo que é missão de julgar: a apreciação e a valoração da prova e a decisão. O que resto que deixasse com a tecnologia.
Explicou o magistrado ao NOVO: “Num megaprocesso como o BES, em que estamos a falar de milhares de folhas, o problema da perda de tempo coloca-se ao nível logístico para encontrar as coisas”. E prosseguiu: “Os magistrados começam por fazer trabalho de pedreiro e de alfaiate. De pedreiro, porque, em pela sessão de julgamento, andam a partir pedra para descobrir os documentos relevantes, e depois, perceber como é que se relacionam uns com os outros. Tudo isto são problemas que nada têm a ver com o direito. Tem a ver com questões tecnológicas resolúveis”.
Aproveitando o caminho percorrido no âmbito das novas tecnologias, o CSM desafiou o GATEP a arranjar uma solução para o caso BES/GES de forma a tornar mais ágil o trabalho do coletivo. Foi então decidido, contou o juiz desembargador, recorrer ao SIIP – Sistema Integrado de Informação Processual, uma plataforma já usada nos tribunais para auxiliar os magistrados na tarefa de organização, análise e apresentação da prova em processo penal.João Ferreira
Esta ferramenta criada e testada durante o julgamento do processo Face Oculta [ver texto ao lado] já era por si garantia de uma maior agilidade e rapidez na busca de documentos, mas tornar-se-ia ineficaz sem um apoio direto ao coletivo. Foi então que em dezembro o CSM tomou a decisão estratégica de criar a estrutura ALTEC – Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade. Esta estrutura adquiriu estatuto legal na passada quarta-feira, com a aprovação do CSM, podendo assim apresentar-se como retaguarda do julgamento do caso BES.
A estrutura ALTEC é coordenada pelo juiz João Ferreira e por António Gomes, o juiz da comarca de Aveiro que julgou o caso Face Oculta e testou o SIIC. Estes magistrados estão acompanhados por quatro oficiais de justiça experientes em novas tecnologias aplicadas ao judiciário.
Assim, por trás do coletivo de juízes que vai julgar o caso BES/GES, a partir de 28 de maio, irão estar mais dois experientes magistrados e quatro oficiais de justiça que funcionarão em back office, como “motores de busca”, para tudo o que for necessário encontrar entre milhares de documentos. “Em julgamento o juiz só tem de clicar num botão quando necessitar de um documento, do processo ou de jurisprudência, sendo automaticamente visualizado num ecrã. Se o facto se basear numa escuta, automaticamente é colocada à disposição do juiz e ouvida imediatamente”, garantiu João Ferreira, atestando: “todos os documentos vão estar à distância de um clique e os juízes só terão de se preocupar em julgar”.
Neste momento, os membros da estrutura ALTEC já começaram os preparatórios do julgamento conjuntamente com o coletivo de juízes para que o processo BES/GES signifique o início de uma nova era na história da justiça portuguesa.