A sete dias do prazo marcado para a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e dispersão das suas competências por sete entidades, a 29 de outubro, são ainda muitas as dúvidas e críticas feitas pelos inspetores ao processo de transição.
Em declarações ao NOVO, o presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização (SCIF-SEF), o maior do sector, contesta o facto de, após a transição, continuarem nas fronteiras 404 inspetores do SEF e nenhum da GNR e da PSP, dado que são estas forças de segurança que deveriam, como diz a lei, assumir essas competências, tendo até recebido formação.
“Nesse dia, os inspetores do SEF, que deviam transitar para a PJ, vão continuar nos postos de fronteira. Então, onde estão os agentes da GNR e da PSP que receberam formação para passarem a exercer essas competências?”, questiona ao NOVO Rui Paiva, criticando o facto de se “manter nas fronteiras o mesmo efetivo”.
Rui Paiva alega que o que na realidade vai acontecer no dia D da extinção do SEF e no período de transição seguinte se resume a “uma troca de comando nas fronteiras”, sem que exista a prevista mudança de efetivos de inspetores do SEF pela GNR e pela PSP, o que “contradiz o estipulado no diploma” que aprovou o fim do SEF e a sua reestruturação.
O presidente do SCIF esteve na semana passada reunido com o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, para dar conta das preocupações e críticas dos inspetores. Saiu da reunião com a ideia de que “o processo de transição está a andar melhor” nesta reta final, mas insatisfeito por confirmar que os inspetores do SEF que deviam transitar já para a PJ vão, afinal, ficar ainda nos postos de fronteira, “mantendo durante dois anos afetação operacional à PSP e à GNR”.
O NOVO questionou o Ministério da Administração Interna sobre esta situação, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Sabe, contudo, que o objetivo do ministro José Luís Carneiro é ir substituindo os inspetores nas fronteiras pela GNR e PSP gradualmente, situação que os sindicatos do sector consideram “inaceitável”.
Rui Paiva alerta ainda que os inspetores do SEF não foram auscultados sobre a entidade a que gostariam de ser alocados com a extinção do SEF, uma vez que as competências vão ser distribuídas por sete organismos. Só a PJ terá feito esta auscultação. Como é o caso, diz, de as chefias do SEF estarem a ser deslocadas para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), quando muitas têm “largas dezenas de anos de experiência” em matérias de migrações e tráfico humano que podiam ser aproveitados noutras entidades. Ao passo que, referiu, “o comando nas fronteiras será feito por agentes da PSP que não têm experiência” nestas áreas.
Rui Paiva entende que os agentes da GNR e da PSP que receberam formação é que deviam avançar já para as fronteiras, mantendo-se apenas um efetivo de “30% ou 40% de inspetores do SEF para dar apoio”. Da reunião com o ministro da Administração Interna trouxe apenas a promessa de que o governo ia “tentar acelerar” essa transição.
“Optou-se por fazer tudo à pressa e em cima da hora”, critica Rui Paiva, dando como exemplo a transição feita na Bélgica, que levou cinco anos. “Em Portugal, querem fazer em três meses”, apontou. “Ainda nem sequer saiu a lista dos que vão para a PJ, a AT ou a AIMA”, criticou, afirmando que o governo teve “mais do que tempo” para preparar o processo de transição.
AIMA e hierarquia
O sindicalista critica ainda o facto de a formação dos agentes da PSP e da GNR ter sido curta em termos temporais, alertando que as matérias que envolvem o SEF “são muito complexas e delicadas” e careciam de mais tempo de formação, até porque, em muitos casos, são matérias e áreas que envolvem os 27 Estados-membros da União Europeia. “Os inspetores do SEF e as chefias têm de passar esse conhecimento à GNR e à PSP”, avisa.
Outra das críticas que são feitas ao governo tem que ver com “o atraso” na regulamentação “da articulação hierárquica e funcional entre PSP e GNR e os elementos da PJ” que irão, mais tarde, para as fronteiras. Rui Paiva lembra que o que ficou estipulado foi a assinatura de um protocolo entre aquelas entidades, mas avisa que a sete dias da extinção do SEF, esse protocolo ainda não viu a luz do dia. “Como vai ser a relação hierárquica? A operacionalização tem de ficar muito bem definida”, vinca ao NOVO o presidente do maior sindicato do SEF, cuja extinção começou a ser pensada em 2020 (e decidida em 2021), depois da morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa.
O atraso na formação do pessoal administrativo que vai transitar para a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) é outra das críticas que estão a ser apontadas pelo sindicato. O pessoal administrativo da AIMA vai ficar com algumas das competências que até agora cabiam a inspetores do SEF, tais como a instrução de processos ou a concessão de autorizações de residência (ver texto ao lado).
A AIMA terá ainda como missão concretizar as políticas públicas em matéria migratória e de asilo, nomeadamente a de regularização da entrada e permanência de estrangeiros em território nacional, bem como a emissão de pareceres sobre os pedidos de vistos, de asilo e de instalação de refugiados.
Em contraponto com as dúvidas e críticas de inspetores e sindicatos, o ministro da Administração Interna tem revelado, em intervenções públicas, otimismo quanto ao processo de transição. Recentemente, José Luís Carneiro garantiu que esta reforma do SEF vai permitir “reforçar os níveis de segurança, controlo e fiscalização de fronteiras” e trazer “claros ganhos de eficiência”. Quem está no terreno não partilha deste otimismo. Certo é que dia 29, depois de muita polémica, avanços e recuos, o SEF, como existiu nas últimas décadas, chega ao fim.
Artigo originalmente publicado na edição do dia 21 de outubro