Em 25 anos de prática clínica já fui procurada por dezenas de pacientes desgostosos, desconfortáveis ou perplexos com a sua sexualidade. Desde jovens mulheres que não querem continuar a sentir-se atraídas apenas por homens 30 anos mais velhos até pessoas que não sentem desejo sexual, passando por parafilias, adições sexuais, traições, homossexualidade, são inúmeras as situações que podem levar a um pedido de ajuda. Ao psicólogo clínico não compete declarar se tal ser humano deve ou não ter aquela sexualidade nem formatá-lo em nome de uma convenção social. Não se trata de ortopedia.

Quem tem de estar confortável – inclusive com a sua vida sexual – é a própria pessoa e o papel do profissional é de testemunho, escuta ativa e transformação da dor. Pensar melhor, pensar mais rápido, encontrar outras perspetivas e, ao encontrar esses outros ângulos, achar também outras soluções/caminhos.

A nossa função não é converter. Não sou uma guru, uma oradora motivacional, uma xamã, e o meu consultório não é uma igreja, um culto ou uma seita. O trabalho com cada paciente é relacional, colaborativo, coconstruído. Não é uma conversão, um endoutrinamento, uma lavagem cerebral.

Pensar nesses termos a atividade clínica, um labor de conexão e filigrana, é uma grosseria e um ataque à deontologia.

Acontece que, mesmo antes de o parlamento ser dissolvido, foi aprovada a chamada lei da criminalização das terapias de conversão. Com os votos de PS, PCP, BE, PAN, Livre e IL, a norma torna proibidas quaisquer práticas destinadas à conversão “da orientação sexual, identidade ou expressão de género”. Tudo, portanto! E determina pena de prisão ou multa para quem o fizer.

Este diploma (em vigor há semanas) foi redigido sem que tivesse sido escutada a Ordem dos Psicólogos e a dos Médicos. Compreende-se. Afinal, não cabe ao Estado violar os preciosos sigilo e confiança da relação entre um paciente e o seu clínico, nem limitar e interferir no livre exercício da profissão.

Pior. Com esta lei pretende-se que o profissional receie ser perseguido e até detido. Exerce-se uma pressão explícita sobre os clínicos que já começam a sentir-se condicionados, com receio de aceitarem certos casos que os procuram livremente.

Mas há mais. Quem não está satisfeito com as suas preferências ou des(orientações) sexuais, assim, não poderá apelar a intervenção terapêutica. A lei não prevê o consentimento livre e informado (o que inicialmente constava), anulando a liberdade de procurar ajuda. Viola-se a autonomia da vontade e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos. Só pode ser inconstitucional.

Depois, que é isso das terapias de conversão?

Aquela à qual o psicólogo Jordan Peterson foi condenado para recuperar a licença profissional é das boas? Das boas são as que mudam irreversivelmente a anátomo-fisiologia, transformam pénis em pseudovaginas, atafulham meninas em testosterona e medicalizam para a vida toda? São as da outrora prestigiada clínica Tavistock?

E terapias de conversão das más é responder à angústia de alguém que pede ajuda? Um Estado que legisla para criminalizar técnicos de saúde que colocam o bem-estar dos seus pacientes acima das ideologias é um Estado totalitário. Esse, sim, precisa de conversão. Urgente.

Ativista política

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 16 de março