Deu brado a falsa notícia sobre uma factura de mais de 9 mil euros pagos ao Solar dos Presuntos, pelos contribuintes, para que António Costa, o ministro da Cultura, Pilar del Río e um ex-ministro se banqueteassem a reboque de uma desculpa esfarrapada. Com o pretexto do centenário do nascimento de Saramago, essa grupeta encabeçada pelo primeiro-ministro foi almoçar a esse restaurante. Pouco depois começou a correr nas redes sociais a dita conta fake e muitos a partilharam. Eu própria o fiz, ainda que acrescentasse que poderia ser mentira. Mal se confirmou que aquela factura pertencia a outros clientes, quase todos os que a tinham postado apagaram-na. Já os boys and girls do Governo (alguém acredita que não pagam a “influencers digitais” como no tempo Sócrates?) aproveitaram para condenar à fogueira aquilo que tratam como a escumalha dos rumores, mentiras e boatos. Só que não. Na verdade, mesmo provando-se que aquela adição não correspondia ao repasto, ficou por apresentar a conta. Quanto é que, afinal, os portugueses desembolsaram para que Costa ou Adão e Silva fossem comensais no dito estabelecimento? Ou foi privado? E, já agora, faz sentido assinalar ocasiões desse tipo e desta forma? Ir almoçar no aniversário do Nobel porquê? Não é para ser miserabilista, mas em qualquer empresa ou perante qualquer orçamento familiar, espera-se transparência, prestação de contas e contenção, sobretudo em tempos de crise. E isto com os dinheiros próprios, quanto mais com os euros dos outros, como será o caso deste marisco ou destes bifes liquidados pelo contribuinte português. Ou o verdadeiro talão era ainda mais assustador?
Realmente, este assunto não é apenas trocos. Ao desmentido deveria ter-se seguido, de imediato e sem mais, esclarecimentos, a revelação da real factura – só isso reporia a verdade – e até a discussão da justificação para o encontro, de governantes a fazerem fotos para promover restaurantes, etc. Isso, sim, seria uma praça de gente madura, para citar Zeca Afonso. Acontece que, neste beco de gentalha soba, a coisa resolve-se com execuções sumárias e protecções primárias, numa atitude prepotente que viaja desde as pressões “não se pode tratar mal a filha de um Presidente de um país amigo” até ao familygate, passando pelo afastamento de Marques Vidal. Aliás, foi exactamente essa uma das razões pelas quais muitos partilharam a falsa factura – porque, apesar da sua excentricidade, ela era possível. Porque esse topete, esse informalismo e o devorar da coisa pública são a pedra-de-toque destes governos Costa. Factura de 10 mil euros com um pretexto da treta? Muitos acharam obsceno, mas plausível. Desta vez era tanga, mas todos sabem que já aconteceu. E que, perante tanta sabujice e genuflexão, receios de levar estes debates até ao fim e subserviência em doses generosas, irá acontecer mais vezes. Talvez sempre.
Teste rápido
Ontem assinalou-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Sabe quantas já foram assassinadas em Portugal este ano?
Resposta: 28
Autoteste
Na foto de Annie Leibovitz:
1. Messi e Ronaldo estão quase deitados no tabuleiro (coisa que nenhum jogador faria) porque estão a ficar mais velhos e mais ceguetas;
2. O padrão daquelas maletas feias não corresponde ao de um tabuleiro de xadrez;
3. É gritante a banalidade da metáfora xadrezista;
4. Lixo e luxo misturam-se e até a foto é uma montagem;
5. O futebol não é elevado a jogo estratégico, mas os seus jogadores (também os adeptos?) são ridicularizados;
6. O que importa este tema? É só mais publicidade.
Antigénio
A insana gestão da covid era para salvar o SNS? Não. Actualmente, o tempo de espera em hospitais como o Santa Maria chega a ser superior a 24 horas. Agora, só falta filmarem as ambulâncias à porta e pedirem mais 15 dias para achatar a curva.
Progénio
A Autoridade da Concorrência promoveu pedidos de clemência para iniciar investigações. Resultou. Já houve oito participações desse género em 2022. A delação premiada funciona em Portugal.