“Não importa quão estreito seja o portão,

Quão cheio de punições o pergaminho,

Eu sou o mestre do meu destino,

Eu sou o capitão da minha alma.”

              William Ernest Henley

 

(Bem sei que a época é de férias para a maior parte de nós. Antes de rumar para a praia e o mar de Porto Santo, o meu Pai recebeu o Prémio Mandela, atribuído pela Associação ProPública, por uma carreira feita a defender causas. É um orgulho para mim e é um sinal que há pessoas boas em muitos sectores, como a diversificada assistência ali o demonstrou.

Entre muitas outras coisas que ali foram ditas, há uma frase que ecoa muitas vezes na minha cabeça: advogado que tem medo deve pendurar a toga.)

 

Faço o meu habitual disclaimer: não sou, nunca fui e não tenho qualquer intenção de vir a ser advogada dos estivadores de Lisboa. Contudo, conheço com algum grau de detalhe a situação deles e sei que as notícias que, na altura, vieram a público, invocando-se salários completamente milionários, eram falsas. Enquanto peças de um jogo de xadrez que não dominavam, os trabalhadores acabaram por ser servidos numa almoçarada qualquer, enquanto se acordavam investimentos milionários.

As linhas antecedentes vêm a propósito de 140 famílias que ficaram sem sustento, de um momento para o outro, perante a impassividade do Governo que dirigiu um acordo que depois não fez cumprir. Faço referência expressa, ainda e de novo, dos estivadores do Porto de Lisboa, cuja situação surreal foi recentemente recordada por uma reportagem da jornalista Ana Leal. Por meio de uma insolvência de contornos muito bizarros, foram friamente lançados no desemprego, sem qualquer compensação, enquanto viram outros trabalhadores, sem qualquer formação e com salários mais baixos, tomarem os seus postos de trabalho. Pelo caminho, todo o negócio de movimentação de cargas do Porto de Lisboa foi, sem justificação bastante, transferido para sociedades terceiras e, com tal, esvaziou-se uma empresa dos seus activos, deixando para trás apenas os estivadores.

Já com os olhos em banhos de mar e viagens, podemos todos pensar que se tratou de um mero azar e que acontece a muitos. Sucede que este negócio ocorreu com o beneplácito do então Governo, aliciado com promessas também não inteiramente concretizadas de milhões, com a passividade da ACT e a falta de empatia de muitos nós, mais preocupados em pagar as nossas próprias contas do que com misérias alheias. Diga-se muito abertamente: o que ocorreu no Porto de Lisboa só foi possível porque os mesmos não gozaram de grande solidariedade de todos os que viam os alimentos chegar à mesa porque estas pessoas se asseguravam disso.

E, aqui chegados, talvez faça sentido voltar a Nelson Mandela e recordar uma célebre citação sua: “Tenho acalentado o ideal de uma sociedade democrática e livre em que todas as pessoas viverão juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer.”. Parece certo que já não há pessoas capazes de morrerem por causas de terceiros. O que se pede é que, pelo menos, não virem a cara. Um dia são eles. No outro, podemos ser nós.