“É a vontade do legislador, [na lei] materializada, a que o Tribunal deve obediência”, diz a juíza Helena Susano para justificar mais um adiamento do julgamento do caso BES/GES que estava agendado para 18 de junho. Soube-se agora que um dos arguidos, residente na Suíça, foi notificado apenas a 26 de abril, obrigando a lei a que exista depois um período de 50 dias para eventuais contestações, acrescido de mais 20 dias, antes do início do julgamento, prevendo-se, assim, que o início das sessões possa vir a acontecer só em finais outubro. Mas, adverte a juíza, sem certezas.
Estava tudo preparado para ser a 18 de junho. Segundo o despacho da juíza titular do processo, as autoridades suíças informaram ter sido possível notificar o arguido Michel Creton apenas a 26 de abril, o que implica que se inicie nova contagem do prazo de 50 dias para contestar.
Começando o prazo dos 50 dias a ser contado a 26 de abril, mais os 20 obrigatórios entre o fim daquele prazo e o início do julgamento, havendo férias judiciais pelo meio, a juíza aponta para finais de outubro a abertura das audiências. Mas, lembra que há um outro arguido suíço, Etienne Cadosch, representante legal da empresa Eurofin, que permanece, igualmente, sem ser notificado. Acrescenta, porém, que as autoridades suíças já o localizaram depois de o terem procurado durante 60 dias, pelo que há a esperança de que o possam notificar brevemente.
Assim, estando a decorrer os tais 50 dias, após a notificação de Michel Creton, a contagem terá de ser interrompida e voltar ao zero, reiniciando-se nova contagem de 50 dias, mais os tais 20, no dia em que Etienne Cadosch receber a notificação. Agora, a questão: em que dia as autoridades suíças o vão notificar, embora tenham dito que já o localizaram? O mais provável, segundo fontes do JE, é que seja notificado no último dia dos 50 de prazo contados para Michel Creton.
Recorde-se que em dezembro de 2022, Michel Creton, Etienne Cadosch e a Eurofin, tinham interposto um recurso no Tribunal da Relação de Lisboa, que foi recusado, para que o processo deles fosse separado para que pudessem ser julgados na Suíça. Ou seja, os arguidos não querem ser julgados em Portugal, sabendo-se, também, que o tempo começa a ser favorável à prescrição dos crimes.
Este adiamento, para uma data ainda desconhecida, devido à incerteza relativa à notificação de Etienne Cadosch, acontece numa altura em que os juízes se empenharam, como nunca antes se tinham empenhado, para que um julgamento corresse bem e no mais curto espaço de tempo.
Juízes decididos a resolver o caso BES/GES
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) estava a tomar medidas para que o processo BES/GES, iniciado há 10 anos, avance definitivamente para a reta final.
A instância gestora e fiscalizadora dos juízes decidiu a 16 de abril afetar mais três juízes ao processo de insolvência do BES pendente no Juízo do Comércio de Lisboa. São reforços que se vão juntar juiz titular do processo, Manuel Inácio Borges Morgado, que está em exclusividade de funções. Os juízes Valéria Barros Gomes, Fernando Manuel Lavado Taínhas e Raquel Sofia Simões Marques ficarão afetos à tramitação e decisão dos créditos reclamados e impugnados no âmbito do processo da insolvência do BES, nos termos a acordar entre estes e o juiz titular do processo.
Este processo de insolvência é o maior da história judicial cível, com cerca de mil volumes, sendo que 556 se referem à reclamação de créditos, e com 26257 credores reclamantes, sendo que o crédito reclamado por 1946 destes credores reclamantes foi impugnado, demandando uma apreciação jurisdicional que conduzirá, em grande parte das situações, à realização de quase dois mil julgamentos. A ações não impugnadas já foram decididas em sede de despacho saneador.
A situação tornou-se mais complicada. “Além da extraordinária dimensão do processo, a visibilidade deste e o consequente impacto na imagem da justiça, em especial quanto aos milhares de credores que aguardam decisão sobre os créditos que reclamaram, bem como quanto à celeridade do sistema judicial, não podem deixar de impor um cuidado especial e a busca de solução de gestão adequada à dimensão e delonga do processo”, considera o CSM.
Ao mesmo tempo está em preparação o julgamento da parte penal do processo BES/GES. Tal como o NOVO tinha anunciado em primeira mão, pela primeira vez, em Portugal, um coletivo de juízes vai estar permanente apoiado, em backoffice, por uma equipa de magistrados e de oficiais de justiça, munida de ferramentas informáticas, com capacidade de, em segundos, e no decorrer das sessões, disponibilizar os documentos necessários para a produção da prova.
Estava tudo preparado e o coletivo de juízes, presidido pela juíza Helena Susano, já ia receber formação durante a próxima semana para se familiarizar com as ferramentas informáticas, explicou ao JE o juiz desembargador João Ferreira que integra, com mais três magistrados, o GATEP – Grupo de Apoio à Tramitação Eletrónica de Processos. Esta estrutura criada pelo CSM a 30 de maio de 2023, com o impulso do atual vice-presidente Luís Azevedo Mendes, tem como missão “trabalhar as novas tecnologias aplicadas à tramitação processual de forma a melhorar as condições de trabalho dos juízes no dia a dia”, explicou o magistrado do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).
Este processo, recorde-se, esteve seis anos em inquérito (começou após a queda do BES em 2014) e conta com 124 assistentes, agregando 242 inquéritos e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Só o despacho de acusação tem quatro mil paginas. Os prejuízos são de 11,8 mil milhões de euros e estão em causa crimes de associação criminosa, branqueamento de capitais e corrupção. Neste caso, 65 crimes são imputados ao ex-banqueiro Ricardo Salgado, incluindo associação criminosa, corrupção e branqueamento. O processo é considerado um dos maiores da história da justiça portuguesa.
Surgiu, entretanto, um contratempo que, entretanto, também já foi resolvido. A juíza Helena Susano determinou a saída dos pedidos de indemnização do processo penal para os tribunais cíveis. Do processo constavam 1306 pedidos de indemnização cível (relativos a 2475 lesados) que foram separados pela magistrada, por defender que “retardaria de uma forma intolerável” o julgamento.
Desta decisão recorreram 98 assistentes para o Tribunal da Relação de Lisboa. Helena Susano aceitou os recursos, mas sem efeito suspensivo que pudesse aditar o julgamento. Contudo, admitiu que os juízes desembargadores possam ter outro entendimento e decidam pelo efeito suspensivo.
Este cenário dúbio fez com o CSM entrasse mais uma vez em ação, e conforme explicou ao JE João Ferreira, o GATEP vai dotar o TRL com ferramentas informáticas que ajudarão os juízes a decidirem com maior rapidez. Aquelas ferramentas o que fazem, na realidade, é ajudar os magistrados a descobrir mais rapidamente os documentos relevantes, e depois, a perceber como é que se relacionam uns com os outros. “Tudo isto são problemas que nada têm a ver com o direito. Tem a ver com questões tecnológicas resolúveis”, referiu João Ferreira ao JE.
Esta decisão da juíza Helena Susana, de separar os pedidos de indemnização cível do processo penal, fez aumentar ainda mais a pressão sobre o processo de insolvência que corre no Juízo do Comércio de Lisboa. De todos os modos, a decisão de afetar três juízes a esse processo permite ter esperança de que este caso – o mais complexo da história judicial portuguesa – comece a ver a luz ao fundo do túnel.
Também o processo penal, agora sem data previsível para iniciar, está preparado para funcionar em pleno. Em todas as sessões uma equipa de dois magistrados e de quatro oficiais de justiça, munida de ferramentas informáticas avançadas, vai estar em permanência a dar apoio ao coletivo de juízes, tendo a capacidade de, em poucos segundos, selecionar e entregar todos os documentos solicitados no desenrolar das sessões. A equipa intitulada Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade (ALTEC) foi aprovada pelo CSM, dando, assim, suporte legal ao backoffice do julgamento. O TRL está também dotado de meios informáticos para resolver rapidamente os recursos.
O julgamento já não vai começar a 18 de junho por causa das regras das notificações previstas no Código de Processo Penal. E, sendo assim, “é a vontade do legislador, [na lei] materializada, a que o Tribunal deve obediência”.