Bateu Matou estão em digressão para apresentar Batedeira, o mais recente trabalho, lançado em março deste ano. No palco WTF Clubbing do NOS Alive deram baile a várias centenas de pessoas que, durante uma hora, dançaram, saltaram e cantaram ao som das claves de Ivo Costa, Quim Albergaria e Rui Pité, mais conhecido por Riot, acompanhados por Miguel Pité e Raissa.

À conversa com o NOVO, no final do concerto, os três músicas partilharam a surpresa e satisfação que é ver tanta gente a saber cantar as novas músicas, com que querem unir as várias cores que unem o povo português.

Falaram também da colaboração com Rão Kyao, uma referência na vida de Riot e Ivo, e de como uma brincadeira com um sample culminou na bênção e na vontade do músico goês de participar na música Cada x + perto.

Tiveram palco cheio a ver-vos atuar… Como correu o concerto?

Ivo: Foi incrível, incrível! Não estava à espera de tanta gente pelo horário em que íamos tocar. Foi surpreendente isso eE é surpreendente a quantidade de pessoas que estão a cantar as nossas músicas e sabem as letras das nossas músicas. Fico sempre surpreendido! Foi incrível, foi muito melhor do que aquilo que estava à espera.

Riot: Senti o mesmo também. A primeira coisa em que reparei foi um aumento substancial de pessoas a cantar as nossas letras. Isso para nós é importante. Ficamos felizes! O pessoal a dançar, a soltar-se… Palco cheio, às 20h50, sabe sempre bem!

Quim: Honestamente, ainda estou a processar. Estou a engasgar-me, porque estou a processar… Mas o que é lindo – e é uma coisa que acabei por repetir muito em palco – foi a moldura humana, que era misturada, as cores estavam lá todas. Havia gente a saber dançar, havia gente a não saber dançar, mas estava toda a gente a dançar junta. Isso foi o que mais me emocionou. Ou seja, o que eu vi foi o Batedeira, o nosso disco, à minha frente… e isso foi bué bonito.

Lançaram o Batedeira há quatro meses… Como tem sido a reação, além do concerto de hoje?

Riot: Acho que tem sido muito positiva. O que sinto mais, as reações que me chegam, é as pessoas sentirem que é um álbum fraturante na cena musical portuguesa hoje em dia. É um álbum completamente atípico para 2024 e era precisamente isso que queríamos fazer, um álbum sobre dança, sobre cores, sobre alegria, deixar um bocadinho de chorar, deixar a tristeza de lado. Foi um álbum super natural para nós, porque nós vivemos assim, somos assim, e acho que é o álbum que define melhor Bateu Matou até agora. É como passar Bateu Matou por um filtro e neste álbum saiu um Bateu Matou concentrado na Batedeira. É um álbum que é mais sobre nós e as pessoas respondem a isso. É um álbum menos sobre canções, mais sobre dançar, que acho que é preciso e faz falta agora.

Ivo: É uma fantasia, em 2024, que nós tivemos de fazer um álbum de uma banda. Esse encadeamento de começar uma história e termos uma narrativa do princípio ao fim. Uma delas, o Quim já falou que é a música para todos, de toda a gente, que é esta mistura destas claves todas que nós vivemos em Lisboa, em particular… em Portugal, mas em Lisboa em particular? Como é que nós sentimos isso? Como é que nós interpretamos isso? E foi um disco fácil, como o Rui disse, de transportar depois para o live, porque é um disco muito mais orgânico do que o primeiro, um disco muito mais tocado e sempre a pensar como é que podemos tocar isto ao vivo. Primeiro, como é que um auditório ouve este disco, num formato digital ou em vinil, da faixa um à última, se faz sentido, mas como é que extrapolamos isto para o live? Foi isso que fizemos hoje e foi a sensação que tivemos hoje de que já estava certo como pensámos para o disco e também está certo para o vivo.

Quim: Eu não tenho nada para dizer. Os meus amigos disseram tudo como deve ser…

Como o Rui estava a dizer, é um álbum considerado fraturante… Era o que estavam à espera quando lançaram este Batedeira?

Quim: Ele foi feito no umbigo, foi feito com um prazer, em primeira instância, de nós os três… Tinha primeiro de entusiasmar-nos nas colunas do estúdio. Nesse sentido, é capaz de ser um bocadinho refrescante, nos dias de hoje, música de dança que não tem medo de ser pop, que acredita em refrões, mas que está empenhada primeiro em criar uma identidade de artista e em criar reconhecimento nas pessoas que o escrevem e que o tocam. Há muita música a sair muito consciente de formatos, há muita música a sair, muito consciente de playlists e tops e de como é que se fura, como é que se promove… e eu sinto, em muitas playlists, muita mesmice, muito me too… e isso não pode fazer bem, acima de tudo, aos artistas… Isso era uma coisa que nos preocupava, como é que esta música, sem nós estarmos presentes, garante que estamos presentes onde ela é ouvida? Isso foi a primeira coisa. Por isso foi fácil fazer uma coisa fora de formato, porque foi à nossa medida. E depois, era o que o Rui estava a dizer… Houve outra procura que era ‘bora aumentar o BPM,  ‘bora não ter medo de fazer músicas felizes ou para te fazer feliz, ou para ser uma catarse, qualquer coisa que não seja só sobre tristeza. Também dá para chorar no baile, ya, mas se eu estiver a rir no baile é mais fixe!

Ivo: É isso. Estamos os três em sintonia em relação a isso, por isso está tudo dito…

Bateu Matou: “Nós somos todos misturados”

Ainda sobre ser um álbum fraturante… Na última conversa que tivemos, falámos que o povo português é um povo misturado. Esta mensagem continua a ser necessária em 2024?

Ivo: Acho fundamental todo o contexto social, político, económico… As coisas nunca estiveram tão extremadas como hoje em dia e acho que é preciso tirar o pé do acelerador, abrir a consciência outra vez e perceber como é que as coisas começaram, porque é que elas chegaram a este sítio, em vez de arranjar subterfúgios e respostas rápidas e consequências imaginárias, não é? É muito fácil esse discurso populista e acho que aquilo que queremos dizer é que temos uma música onde todos cabem. É uma música inspirada em todos, porque nós, dentro do grupo, temos essa variedade. Vimos de muitos sítios. A nossa música é uma expressão máxima disso e é aquilo que defendemos nos nossos concertos ao vivo, essa comunhão de toda a gente dançar, estas claves todas que são misturadas, que Portugal é um país misturado. Lisboa é um país misturado. Temos de lembrar isso, é uma coisa muito óbvia, muito clara para nós, é a nossa interpretação disso. Há tantas bandeiras, as pessoas pegam em tantas bandeiras… Nós não queremos ter nenhuma bandeira, não temos esse pretensiosismo. Na realidade, estamos só a ser nós, mas é uma mensagem que é autêntica, é válida e é legítima.

Tiveram o Rão Kyao em cima do palco, depois de o terem convosco no álbum. Como correu esta colaboração?

Quim: A história é comprida, na verdade… Tens tempo? Quantas páginas tens?

É online…

Quim: Então tens muitas páginas… (risos) Na verdade, a história começa com os avós destas duas pessoas aqui [Riot e Ivo], que são pessoas que foram forçadas à diáspora, ou seja, não eram da terra, nem em Moçambique nem em Goa… Nem foram realmente aceites aqui como portugueses. Portanto, essa diáspora veio com uma não pertença e criou um lugar que é a vida da comunidade goesa aqui em suspenso. Parece que não existe bem ou parece que não é reconhecida. Uma das coisas que fomos falando quando começámos a escrever este disco é que era uma oportunidade para a experiência cultural do Ivo e do Rui a crescer, que foi única e que é a única, mas que faz parte do tecido do que é ser português hoje em dia. Precisa de ser mostrada, precisa de ser celebrada, e era fixe mais gente perceber um bocadinho ou ir começando a perceber… A música do Rão Kyao – especialmente aquela Bombaim, o trabalho todo Rão Kya, mas aquela Bombaim – é um bocadinho um hino da comunidade goesa, porque faz essa mistura, é uma música com um pé no Brasil, em Portugal e em Goa… E brincámos “‘bora ver se dá para fazer o sample…” O Rui começou a brincar com o sample e, de repente, começou a nascer qualquer coisa e, acima de tudo, uma exigência de que tínhamos que falar daquela experiência com dignidade, com respeito e com representação como deve ser. A primeira coisa que pensámos foi “O Rão tem que vir tocar, o Rão tem de abençoar esta música”. A segunda coisa foi “Isto não pode ser só cantado em português, tem que ser cantado em concani”, que é o dialecto de Goa. Aí convidámos a Rubi Machado, que canta em concani e nasceu a Cada x + Perto, que é uma espécie de ponte temporal, uma ponte cultural, com isto tudo, com a experiência dos avós e dos pais do Rui e do Ivo, com a experiência do Rão, com a experiência do que é ser descendente de goês em Portugal e com a experiência do que é que é ser português e perceber que há uma comunidade inteira super rica, que parece que está invisível, mas não está.

Percebi que é uma referência…

Quim: Não respondi à pergunta? (risos)

Riot:  Ele disse tudo. É uma referência desde sempre, desde pequenino. Acho que falo por mim e pelo Ivo também… A minha família é super misturada. Os meus avós eram moçambicanos com goeses, o meu pai é de Moçambique, a minha mãe é da Beira Baixa. Portanto, em casa ouvia-se desde Fausto até marrabenta, até, inclusivamente, Rão Kyao… Era uma referência dos meus domingos de manhã, limpar a casa com o pai e com a mãe… O Bom Baiano era um dos temas favoritos. E nós tínhamos que fazer qualquer coisa por ele. Claro que era uma referência e claro que ele, ao aceitar entrar nesta brincadeira connosco e criar o Cada x + Perto, para mim foi um checkpoint que posso riscar na minha vida, ter trabalhado com Rão Kyao… É incrível, é uma referência enorme..

Ivo: Para além disto tudo que eles disseram, ainda tenho mais uma layer em cima… Eu sou muito próximo dele, quase família. Os meus tios tocam com o Rão Kyao há há muitos anos, conheço o Rão desde miúdo, foi meu vizinho, tive a oportunidade tocar com ele como baterista na sua banda. Tinha mais este extra… Sentia-me um bocadinho responsável e estava muito preocupado em ter a bênção dele e com ele validar isto, para nós era muito importante. Não faria sentido se ele não me dissesse “Olha, está fixe!” E a cereja em cima do bolo, que nós não estávamos à espera, foi ele dizer “Olha, está fixe e eu quero tocar também. Eu quero participar!” Este concerto foi a consequência desse primeiro momento do disco e de o honrar aquilo que o Quim disse, a nossa história e a música dele, que foi uma referência muito grande para nós.

Estão a apresentar o Batedeira. Que mais têm preparado para o verão?

Riot: Olha, na verdade, nesta era de algoritmos e de Instagrams e Facebooks, acho que temos o álbum da Batedeira para apresentar a muita gente. Enquanto banda independente, acho que a maneira mais forte que temos de apresentar a nossa música não é através da compra de views, nem de YouTube, é mesmo pegar em nós e irmos tocar a todo o lado e mais algum, que é o que vamos fazer praticamente durante estes três meses de verão, nomeadamente agora em julho… Temos os fins semana todos cheios, amanhã vamos para Ovar, depois vamos para a Suíça, vamos tocar no Montreux Jazz Festival, vamos à Alemanha. Voltamos e acabamos em Loures este mês. Vamos ao Festival Mêda+, vamos a Portimão, vamos ao Sol da Caparica, ao Crato… Ou seja, temos uma agenda cheia daquilo que nós gostamos de fazer. A promoção deste álbum, que, para todos os efeitos e para muita gente, é completamente novo ainda. O que temos preparado é mostrar o Batedeira como ele é ao vivo, com nós os três, com o puto Miguel Pité e a rapariga Raissa Behring em palco a darem o máximo. Epá, vai ser incrível!

O que querem muito ver no NOS Alive?

Riot: Por uma questão de respeito e de um bocadinho de nostalgia, eu não sou muito nostálgico, não lido muito bem com isso, mas queria dar 15 minutos aos Smashing Pumpkins, porque fizeram parte do meu crescimento. Infelizmente, não consegui ver Benjamin Clementine, porque estava a fazer concorrência, tive muita pena… Também gostava de ver Pearl Jam, pelas mesmas razões… Uma questão de respeito e de juventude. E, epá, dava ali um passinho de dança na Dua Lipa, também. Há que abraçar um bocadinho o pop.

Quim: Eu queria ver Krhuangbin, nunca vi ao vivo, e Black Pumas também…  E há bué tugas por aí fixes, pequeninas… Queria ter visto a Silly, mas não cheguei a tempo. Gosto. Queria ver o que o Ricardo Crávidá faz ao vivo… De certeza que ia querer ver mais coisas, mas esses são os de que me lembro agora.

Quim: Comprei bilhete para Pearl Jam e adorava ver Parcels, adorava ver, é muito fixe…