Faz nesta quarta-feira, 1 de Maio, que desapareceu Ayrton Senna da Silva, considerado por muitos o maior piloto da história da Fórmula 1 e eleito pela revista Veja como o desportista brasileiro do século XX, num país louco por futebol e que teve, entre outros, um praticante chamado Pelé.
Ainda hoje a morte de Ayrton Senna é um mistério. A curva Tamburello, do Grande Prémio de San Marino, acabou por ser fatídica. O fim-de-semana dessa corrida foi, a todos os títulos, negra para a disciplina máxima do desporto automóvel.
Na véspera do Grande Prémio, em pleno treino de qualificação, o austríaco Roland Ratzenberger chocou violentamente contra um muro a 314 km/hora. Quem viu o documentário “Watch Senna” não fica indiferente ao ver a perturbação do nas boxes da Williams a assistir na televisão aos médicos a reanimarem Ratzenberger. Senna não conseguiu ver mais e afastou-se visivelmente perturbado com a cena que, juntando a um acidente do compatriota Rubens Barrichello no primeiro dia de treinos, deixava-o em sobressalto.
Ayrton Senna era muito preocupado com a segurança, falava disso amiúde, apesar de muito do talento que exibia para a condução tivesse a ver com o risco que colocava na pista, fosse ela qual fosse.
Nesse dia de 30 de Abril de 1994, o médico da Fórmula 1, Sid Watkins, viu um Ayrton Senna diferente, sem sorrir, algo de raro no paulista. Aqui a doutrina diverge. Há quem garanta que Senna estava preocupado com o carro, que não lhe dava garantias de sucesso, outros asseguram que o acidente de Ratzenberger o afetou bastante e a namorada da altura, a modelo Adriane Galisteu, revelou que o casal teve uma discussão feia por não ser bem aceite pela família do brasileiro, que preferia Xuxa, antiga namorada do piloto. Talvez tudo isto tenha deixado Senna diferente.
Frank Williams, patrão da escuderia britânica com o mesmo nome, ficou apreensivo quando no último jantar de Senna ficou sem perceber se o brasileiro iria apresentar-se na pista no dia seguinte, mas Senna, quando foi desafiado pelo médico e amigo Sid Watkins para ambos largarem o ‘circo’ e irem pescar, foi taxativo: “Não posso, tenho que correr.”
Quatro longos minutos
O espírito competitivo de Senna estava acima de tudo. Começava uma nova etapa da carreira na Williams e nos primeiros dois grandes prémios da temporada tinha abandonado. Sem pontos e vendo o novato Michael Schumacher (Benetton) a exibir-se a grande nível, Ímola era uma espécie de tudo ou nada para não perder o comboio do título. Senna queixava-se nos bastidores de que a Benetton usufruía de tecnologia irregular que beneficiava os seus carros em pista e, em simultâneo, queixava-se do seu monolugar e da instabilidade do carro.
O ambiente calmo em torno de Senna minutos antes da largada contrastava com o frenesim das boxes da Benetton e mesmo da Ferrari. O brasileiro começa a corrida na liderança, sempre acossado por Schumacher, mas à sétima volta acabou uma era na Fórmula 1. Perdeu o controlo do carro, embateu no muro e teve tanto azar que o braço direito da suspensão dianteira acertou-lhe abaixo da viseira. 10 centímetros para cima ou para baixo e Senna tinha saído do monolugar pelo seu pé.
Demoraram quatro longos minutos para tirar Senna do carro para o helicóptero que o levaria ao Hospital de Bolonha, mas todos se convenceram de que o brasileiro tinha morrido na pista, apesar das informações oficiais da unidade hospitalar apontarem o contrário.
O funeral do piloto só se realizou três dias depois do falecimento. Uma comoção geral atingiu o Brasil, o governo decretou três dias de luto nacional e concedeu à cerimónia honras de chefes de Estado. Mais de um milhão de pessoas acompanhou o último adeus a Senna. A cerimónia fúnebre foi impactante como o drama vivido foi vivido pelos brasileiros.
A maior das rivalidades
Dentro da tragédia, foi bonito ver colegas de pista a carregarem a urna. Emerson Fittipaldi, Gerhard Berger, Rubens Barrichello, Michele Alboreto, Damon Hill e até Alain Prost. Sim, Alain Prost.
O francês viveu com Senna a maior rivalidade da história da Fórmula 1. Foi graças à picardia na pista, e que se estendia ao exterior, que a Fórmula 1 ganhou adeptos. Disso que ninguém duvide.
Ayrton Senna não era propriamente aquele menino pobre que teve talento a rodos para um desporto. Nada disso. A família de Senna vivia desafogadamente e propiciou ao jovem viver em Inglaterra depois de se ter mostrados nos Karts. O seu talento era inquestionável. Após sucessivas demonstrações de valor em disciplinas inferiores, Senna chegou à Fórmula 1 ao volante da Toleman e pontuou logo no segundo grande prémio. Na primeira época, com um carro francamente limitado, fez três pódios, um deles em Portugal.
O Estoril era o seu talismã. O Estoril e a chuva. Agora juntamos os dois ingredientes e dali sai a primeira vitória de Senna, a 21 de Abril de 1985, já ao volante de um Lotus.
Mas a Lotus também era pequena para Senna e a McClaren conseguiu, em 1988, juntar os dois melhores pilotos da altura: Alain Prost, o Professor, e Ayrton Senna.
Tudo parecia correr bem até que se percebeu que eram dois galos para o mesmo poleiro. O francês pensava que continuaria dominador e talvez tivesse desvalorizado a valia de Senna. Lgo no primeiro ano o brasileiro sagrar-se-ia campeão mundial pela primeira vez, título sentenciado no Japão após uma corrida épica em que começou com problemas, mas do 17.º lugar à liderança com 13 segundos de vantagem sobre o francês foi uma espécie de passeio.
Prost percebeu que Senna era um competidor à altura e as relações entre os dois esfriaram bastante no segundo ano. A luta titânica entre os dois, no ano de 1989, durou outra vez até ao Japão. Senna precisava de ganhar para ter ambições de revalidar o título na última corrida.
Contudo, Prost e Senna chocaram, mas o brasileiro voltou à pista com a ajuda dos fiscais da corrida e acabou em primeiro. Mal se deu o choque, Prost dirigiu-se à sala dos juízes. No final, Senna foi desclassificado, o gaulês sagrou-se campeão mundial, e a troca de palavras do brasileiro com o presidente da FIA, Jean-Marie Balestre, atingiu uma proporção pouco esperada. O mesmo Balestre que uns anos mais tarde reconheceu que favoreceu Prost, seu compatriota.
No ano seguinte o mesmo filme, de novo em Suzuka mas com um vencedor diferente. Agora era Prost que precisava de ganhar, mas um choque, com a responsabilidade a pender muito para o lado de Senna, dava ao brasileiro o segundo título.
Prost saía para a Williams, que tinha um carro melhor, mas Senna faria o tricampeonato em 1991, ano em que viveu um momento ímpar, pois ganhou, finalmente, o grande prémio no seu país – e como ele festejou o triunfo em Interlagos.
Entre 1991 e 1993 Senna teve dúvidas, percebia que não podia ser competitivo, mas também não podia ir para a Williams, pois Prost colocou como condição o brasileiro não ser contratado.
Com a transferência de Prost para a Ferrari, Senna ingressou na Williams. E depois é o que se sabe. Mas ainda houve tempo para Senna e Prost se reconciliarem quando Senna estendeu a mão ao francês na última corrida de Prost. E, ato contínuo, puxou-o para o lugar mais alto do pódio.
As relações normalizaram, Prost carregou o caixão de Senna e tornou-se num dos mais empenhados colaboradores do Instituto Ayrton Senna, criado pela irmã Viviane depois da sua morte para ajudar na educação de crianças, uma preocupação de Senna em vida.
Faz 30 anos que desapareceu o mítico capacete amarelo, jamais esquecido e considerado por muitos o mais brilhante piloto da história da Fórmula 1 ao qual só faltou concretizar um sonho – representar a Ferrari.